Aerovisão

De Nikkeypedia

A revista da Força Aérea Brasileira Distribuição gratuita nº 222-Jun/Jul/Ago2008 O vôo dos Nikkeis No centenário da imigração japonesa, encontramos vários descendentes de imigrantes na Força Aérea Brasileira. Entre eles, em comum, muito estudo, persistência e vontade Aerovisão 2 Aerovisão . 100 anos da imigração japonesa 2 Entre fotos antigas e emoções sempre novas, mergulhamos na história de pessoas que aprenderam com seus pais japoneses valores que vigoram por bem mais que um centenário. As próximas páginas viajam até o Japão e ao fundo do coração de brasileiros com muito a comemorar 3 3 Aerovisão 4 1908. Havia apenas dois anos que Alberto Santos-Dumont realizara o primeiro vôo com o 14-Bis. O transporte de pessoas ainda era feito apenas de navio, como na época das grandes expedições. E se transformou numa verdadeira epopéia quando os primeiros 781 japoneses resolveram, em meio à dificuldades econômicas de seu país, arriscar-se num país distante. Um lugar da América do Sul “onde se plantando tudo dá”, onde se po- deria fazer riqueza, onde se poderia ser feliz por um tempo, que seria chamado de “Burajiru”, o Brasil. A bordo do kasato-Maru, esses “desbravadores” embarcaram no dia 28 de abril, no Porto de Kobe, cheio de expectativas misturadas a angústias e ao início de saudade. Zarparam no fi nal da tarde daquele dia. Seguiriam-se 52 dias no mar, 12 mil milhas marítimas e uma incontável ansiedade. Chegaram ................................................ A equipe de reportagem de Ae- rovisão encontrou um descen- dente direto de Ihachi Miyashiro, um dos japoneses que vieram na primeira viagem para o Brasil. O imigrante japonês, já falecido, contou em vida muito de sua história para o neto, Rubens Yonamine. “Naquela época, o Japão enfrentava problemas de superpopulação e atravessava uma crise econômica bastante séria. Na Província de Okinawa, da qual o Por Tenente Jornalista Luiz Claudio ........................................................ .......................................................... meu avô é originário, esses proble- mas eram ainda mais acentuados. Foi atraído então pela propaganda das Companhias de Emigração do Japão que propagavam a idéia de que no Brasil seria fácil conseguir fortuna trabalhando nas fazendas de café”, diz Yonamine. Confi ra a entrevista. O que ele encontrou quando chegou aqui? Quais foram as primeiras ocupações dele? Quando ele desembarcou do navio, foi encaminhado inicialmente para a Hospedaria do Imigrante, locali- zado na capital de São Paulo. Após nove dias, com mais 151 imigrantes, foi levado para a Fazenda Canaã, que fi cava distante 40 quilômetros da cidade de Ribeirão Preto. Nessa fazenda, segundo seu relato, as condições de vida eram péssimas. Como agravante, a safra de café não em 18 de junho ao Porto de Santos, no litoral de São Paulo, num dia de sol claro. Era apenas a primeira viagem que japoneses fariam para o país. Muitas viriam depois, nos últimos 100 anos, de variadas for- mas, que fortaleceriam para sempre a amizade entre Brasil e Japão. Aerovisão 4 REPRODUÇÃO . 100 anos da imigração japonesa Navio japonês Kasato-Maru atracado nas docas do Porto de Santos (18 de junho de 1908) 5 teve o rendimento esperado. Chegou à conclusão de que, se continuasse na fazenda, difi cilmente conseguiria realizar o seu sonho de retornar ao Japão com ótimas condiçoes fi nan- ceiras. Sendo jovem e solteiro, após três meses, decidiu fugir da fazenda e foi para a cidade de Santos trabalhar no porto como estivador. Eu diria que nessa segunda fase de sua vida e em todas as outras subseqüentes, ele sempre contou com a simpatia e o apoio do povo brasileiro. Onde se radicaram? Em 1935 ele se mudou para São Mi- guel Paulista (em São Paulo), onde se dedicou ao plantio e comerciali- zação de batatas. Mais tarde, ele se mudou para a Vila Prudente onde arrendou, juntamente com outras famílias, uma gleba de terras para cultivar e comercializar hortaliças e legumes. Ali meu avô viveu até o ano de 1962, quando veio a falecer. Além dessas atividades ligadas à agricultura, o seu avô exercia alguma outra atividade? Sim. Ele fi cou muito conhecido na colônia pelas técnicas de acupun- tura e de moxabustão que aplicava na cura de doentes. Ele exercicia essa atividade de forma totalmente gratuita, o que o tornou uma fi gura muito benquista e festejada por to- dos os que o conheceram. Qual o sentimento da família em relação à comemoração do Centenário? Ao conhecer a trajetória desses primeiros imigrantes, das lutas que travaram, das difi culdades que enfrentaram num país de costumes tão diferentes, de língua totalmente estranha, o sentimento da família é de um justifi cado orgulho ao ver que, no fi nal, todos sairam vencedores. No caso particular da minha esposa Nor- ma, o seu avô, Rizaburo Miyagui, que também veio no navio Kasato-Maru, Rubens Yonamine (em destaque) com sua família. Todos, descendetes de Ihachi Miyashiro, um dos japoneses que vieram no Kasatu-Maru 5 foi um verdadeiro líder da colônia japonesa que se radicou em Santos e ao longo da linha férrea Santos- Juquiá. Além de adotar técnicas ino- vadoras na agricultura da região, foi o fundador e o primeiro presidente da Cooperativa de Produtores de Banana do Litoral Paulista. Ao olhar para trás e saber da coragem do seu avô, quais são os ensinamentos que fi cam? O grande legado deixado pelos nos- sos pais e avós é o de procurar agir sempre com absoluta integridade e honestidade em todos os nossos atos. Procurar ajudar os seus semelhantes sempre que possível e batalhar per- manentemente pela união e bem-estar de todos. Tenho certeza de que foram esses ensinamentos transmitidos de geração em geração pela grande maioria dos pioneiros que aqui vie- ram, que marcaram positivamente a comunidade nikkei no contexto de toda a sociedade brasileira. ARQUIVO PESSOAL Aerovisão 6 ............................................ARQUIVO FORÇA AÉREA DO JAPÃO . 100 anos da imigração japonesa Ideograma(yuujou): amizade ARQUIVO FORÇA AÉREA DO JAPÃO 7 .................... Por Tenente Jornalista Luiz Claudio Pela primeira vez na história, a Força Aérea Brasileira tem à frente um nissei (brasileiro, filho de japoneses). Conhecer a história da origem desse oficial-general é compreender mais sobre a força, os ideais e os valores que os imigrantes que chegaram ao Brasil transmitiram aos seus filhos Reencontro como começo de histó- ria. Raízes como apego ao rumo. Tudo insondável, imaterial, de fôlego infinito e silêncio que diz. Para ele, as paisagens sempre passaram rápidas demais. Piloto de caça, a velocidade do avião fez com que o seu pensa- mento e o seu raciocínio também fossem, durante a vida, ligeiros. Por vezes supersônicos. Relembrar a vida também se faz assim. Num milésimo de segundo, fundem-se lembranças das fotos em preto e branco e a rea- lidade iluminada. Porém, neste ano, ele viu uma história voltar devagar. Não de avião. Mas de navio. Os olhos puxados e o coração aberto para o passado, vivido em pleno presente. O Tenente-Brigadeiro-do-Ar Juniti Saito, de 66 anos, hoje Comandan- te da Aeronáutica, viu, sorriu e se emocionou ao mirar uma cena que somente fazia parte da imaginação criada a partir da história que seus pais um dia contaram. De alguma forma, era o reencontro com os pais. O pai e a mãe estavam ali. E quem de nós não vê nebli- nar os olhos ao ter de volta o pai e a mãe? Estava ali mais do que o tempo porque não se afasta, não se traduz, não há relógio. É só mesmo a lembrança do “ouvir”. Um navio partindo do Porto de Kobe em direção ao Brasil. Lágri- mas. A angústia da despedida. A esperança de voltar. Rumo a um país do outro lado do mundo, de onde se tinha notícia que se po- deria fazer riqueza em pouco tem- po. Toshiko Tamaoki e Iwataro Saito, hoje já falecidos, fizeram, na década de 30, a viagem que mudaria para sempre suas vidas e o destino de sua família. Nunca mais voltariam a viver no Japão. Foram para a lavoura. “Meu pai era um homem do campo, mas minha mãe, não. Ela era estudante e teve que se adaptar à nova vida no Brasil com muitas dificulda- des”, conta o Comandante da Ae- ronáutica. Chegaram a Pompéia, no interior de São Paulo, onde SGT JOHNSON/FAB ARQUIVO FORÇA AÉREA DO JAPÃO ARQUIVO FORÇA AÉREA DO JAPÃO Aerovisão 8 Em visita à Base de Defesa Aérea Japonesa, Comandante foi homenageado Marco histórico: o nissei Tenente-Brigadeiro-do Ar Juniti Saito assume o Comando da Aeronáutica no dia 28 de fevereiro de 2007 ele nasceu e a família cresceu. A história daquelas pessoas se fez mais longa do que aqueles 52 infinitos dias no mar. O Comandante da Aeronáutica viu de frente toda a história de dificuldades e de luta do início da trajetória da família no Bra- sil porque, neste ano em que se comemora o centenário da imi- gração japonesa, uma série de cerimônias foram realizadas no Brasil e no Japão. Do outro lado do mundo, o Tenente-Brigadeiro Saito, convidado especial pelo Governo do Japão, visitou, em abril, diversos lugares que o deixaram especialmente tocado. Ambientes como o Porto de Kobe, de onde seus pais saíram, ou Hiroshima, devastada durante a 2ª Guerra Mundial pela bomba atômica, deixaram o Comandante emocionado. Durante o maior conflito de todos os tempos, os pais dele já viviam no Brasil, mas a dor do acontecimento atraves- sou todos os mares. Durante sua estada no Japão, ele visitou escolas onde “brasi- leirinhos”, de famílias que hoje moram naquele país, tentam aprender o difícil idioma. “Eu me identifiquei com aquelas crianças porque passei o mesmo que elas quando cheguei ao Brasil. Até . 100 anos da imigração japonesa SGT JOHNSON/FAB ARQUIVO FORÇA AÉREA DO JAPÃO 9 Visita aos estudantes brasileiros residentes no Japão. Crianças contaram como estão aprendendo o novo idioma Comandante recebe uma espada samurai do Comandante da Força Aérea Japonesa os cinco anos de idade, só falava japonês dentro de casa. Tínhamos muita dificuldade com a língua portuguesa. O que me salvava na escola é que ia muito bem em matemática”, relembra. No Japão, o Comandante foi bastante homenageado. “Fui muito bem tratado por todos”. Ele teve contato com a Família Real, tanto com o Imperador, como com o Príncipe. Conheceu a Base de Defesa Aérea e recebeu, como presente do Comandante da Força daquele país, uma espada de samurai. “Sempre tive o sonho de ter uma. A espada significa força e luta. Me senti honrado”. No Brasil, em junho, o Comandante teve contato novamente com o Príncipe. O nosso “samurai” destaca que este ano é inesquecível na consolidação da amizade entre os povos brasileiro e japonês. Ele, brasileiro filho de japoneses, vibra com esse reencontro entre o passado e o presente. Entre o sonho e a realidade. Entre a lágrima e o sorriso. Entre a esperança, a luta e a vitória. Pensou em quantas estrelas seus pais viram durante o caminho. Quanto de mar. Para seus pais, ficava sua terra e começava uma nova epopéia. Não mais em Aomori, no norte do Japão. Província conhecida pelas maçãs e frutos do mar. Recomeçava nos campos do interior paulista, depois na capital. “Eles ficaram porque o Brasil os recebeu bem. E como amaram esse país...”. Na entrevista em que o Comandante concedeu à Aerovisão, ele revela como o exemplo dos seus ancestrais se fez presente em toda a sua vida. Afinal, foram aqueles 52 dias no mar que abriram o rumo para suas milhares de horas nos céus. ARQUIVO PESSOAL ARQUIVO FORÇA AÉREA DO JAPÃO Aerovisão 10 Comandante, o que representa esse contato com o Japão no ano do centenário da imigra- ção? A primeira vez que eu fui ao Japão foi em 1997. Visitamos Osaka, Na- goya, Tóquio e Aomori no norte do país, que é a terra do meu pai. Agora em 2008, fui a convite do governo ja- ponês para participar do lançamento da festa do centenário da imigração japonesa ao Brasil. No dia 28 de abril de 1908, saiu o Kasatu-Maru do porto de Kobe em direção ao nosso país. No dia 18 de junho do mesmo ano, chegou a Santos. Ao refazer essa trajetória, muito se retoma, particu- larmente fortalece a amizade entre os povos dos dois países. Agora, em 2008, foi a segunda vez que visitei a terra dos meus pais. Qual o signifi cado dessa visita para o senhor? Essa visita teve um signifi cado todo especial para mim. Foi muito bom ter recebido o carinho de tantas pessoas lá no Japão. Eles se mos- traram felizes pelo fato de que um brasileiro, descendente de japonês, ter chegado ao posto de Comandante da Força Aérea Brasileira. Segundo Visita ao Museu em Hiroshima me falaram, pela primeira vez, um descendente de japonês comanda uma força aérea de algum país. Lá fui especialmente recebido em todos os locais que visitei. No Japão, muitas autoridades destacaram a integração dos descendentes na comunidade brasileira e também do brasileiro no Japão. Sem nenhum obstáculo, sem nenhuma discriminação. É realmente destacável a bondade do povo brasileiro, essa capacidade nossa de integrar qualquer pessoa, credo, raça. Receber um povo com hábitos e costumes completamente diferentes. O senhor teve contato com bra- sileiros no Japão agora durante a visita? Conheci escolas onde um grupo de brasileirinhos de famílias japonesas estudam a língua japonesa. Aquilo foi especialmente tocante para mim. Eu sou de primeira geração, nissei. Essa dificuldade que eles têm eu também tive com a língua no Brasil. Fui aprender português apenas no primário. Por vezes, não entendia nada. Antes de entrar para escola primária, frequentei uma escolinha japonesa na qual aprendi uma ta- buada. Até hoje uso essa tabuada. Então no fi nal do ano, fui muito bem em matemática e mal em português. Mas passei! (risos). O senhor conheceu também ambientes militares por lá? A convite do Comandante da Força Aérea Japonesa, visitei uma Base de Defesa Aérea, a 80 quilômetros de Tóquio. Lá eles têm o F-15. Recebi tratamento de chefe de estado. Teve até guarda de honra. Passamos . 100 anos da imigração japonesa Comandante em encontro com o Príncipe Naruhito ARQUIVO PESSOAL ARQUIVO PESSOAL 11 Tenente-Brigadeiro Saito em revista à tropa na Base de Defesa Aérea Japonesa em revista à tropa. De helicóptero, fomos levados para a base aérea. O Comandante ficou muito à vontade. Quem olhava de fora via, de um lado, o pessoal do Brasil, do outro, do Japão. Todos muito integrados. Interessante que recebi de presente do Comandante uma espada de samurai legítima, algo que eu sempre desejei. A espada significa luta, coragem. O senhor poderia citar outros momentos tocantes que teve lá? Estivemos em Hiroshima, local onde há um museu que conta a história do ataque com a bomba atômica. Olhando as fotografias, me emocionei muito. Durante a 2ª Guerra Mundial, meus pais já moravam no Brasil. Jornalistas fizeram fotos logo depois da bomba. Uma cena de pesadelo. Não à toa, os japoneses têm ojeriza de guerra. As lembranças são ainda muito fortes. Participei de uma cerimônia em que colocamos flores pela paz. Um momento bastante tocante para todos nós. Outro momento muito marcante para mim foi no Porto de Kobe, quando acompanhei o embarque de uma tocha simbolizando a amizade entre os povos, em um navio semelhante ao Kasato-Maru, que viajaria 52 dias, exatamente como em 1908. O príncipe esteve lá. Essa tocha foi a mesma entregue ao último comandante do Brasil-Maru, em 1972. Meus pais saíram do Japão no ano de 1932. Antes da cerimônia, senti uma emoção muito grande. Meus pais estiveram lá. Fiquei imaginando o que sentiram meus pais. Foi como se eles estivessem lá de verdade. Imaginei o que eles sentiram, o que esperavam encontrar, o que seria da vida deles. Ali, meus pais, com certeza, transitaram com essas dúvidas. Eles me contaram que pensaram como seria do outro lado do mundo, a luta, a vontade de vencer. No local que dá acesso ao porto, há inscrições que podemos ver até hoje. Mensagens como “vamos lutar”, “vamos vencer”, “temos certeza”, “temos vontade”, “vamos conseguir”. O senhor conheceu o príncipe e o imperador? Sim. Depois dessa cerimônia em Kobe, houve uma interessante demonstração da importância que o Governo do Japão conferiu a minha presença. O Príncipe foi em minha direção e me chamou pelo nome. Disse que viria ao Brasil em junho e que precisaria de apoio da FAB para se locomover. É interessante porque a família real sempre mantém uma distância muito grande do restante do público. Para se ter uma idéia, o Imperador aparece uma ou duas vezes em público. Foi a primeira vez que o Imperador e o Príncipe apareceram ao mesmo evento. Uma prova da importância que eles deram a esse evento. O imperador fez um discurso muito bonito. Uma fala que eu guardei bem dizia que “nossos imigrantes, quando foram para o Brasil, foram muito bem tratados, integraram-se. Devemos tratar bem os brasileiros”. ARQUIVO FORÇA AÉREA DO JAPÃO Aerovisão 12 O senhor também ouviu per- guntas de crianças por lá? Visitei uma escola japonesa com mais de 400 alunos, dos quais 85 brasileirinhos. Foi a mesma emo- ção. Eles leram frases em japonês. Também estão aprendendo na letra mais difícil em japonês para poder ingressar na faculdade. A coordenadora pediu que eu falasse algumas coisas. Eu disse que havia passado o mesmo que eles. Disse que é preciso dedicação. Falei uns 15 minutos. Mais do que falar, abri para perguntas, que vieram em japonês. Depois de umas três per- guntas, nada mais. Aí disse a eles “sei que vocês estão me entenden- do. Estou falando em português. Ao invés de perguntar em japonês, perguntem em português”. Depois que falei isso, chegaram vários tipos de perguntas. Inclusive, me perguntaram se eu tinha sonhos. Eu disse que sonhar é muito bom, através dos sonhos que realizamos nossas vontades. Se eu não sonho, não tenho objetivo na vida. Temos que realizar o sonho. O Brasil possibilitou o sonho dos imigrantes e dos seus des- cendentes... A sensação que eu guardo nesse momento é que o tratamento dado no Brasil ao imigrante é diferencia- do. Destaco a capacidade do brasi- leiro de se integrar a outros povos. Aqui é possível deixar o potencial de cada um fluir normalmente. Po- tencialidade e capacidade. Todos têm possibilidade igual no país. Nesse ano, acabo recordando do que eles me contaram daquela época...da saída do Japão. Quando desembarcaram no porto de San- tos, muitos fazendeiros estavam à espera. O meu pai vem de origem de agricultores. Minha mãe era ca- çula e, diferentemente de meu pai, era estudante. Vieram separados. Minha mãe queria voltar para o Japão. A idéia que faziam do Brasil era de um país de fortuna fácil. Em pouco tempo, ganhariam dinheiro e voltariam. Nada diferente de qualquer imigrante. Passaram-se os anos, nasceram os fi lhos. Eles adoraram fi car no Brasil e nunca mais pensaram em voltar. Tenho familiares lá no Japão. Muitos primos foram me ver. Foram mo- mentos importantes. É sempre um momento de resgate. O senhor considera que valo- res e características nipônicas foram importantes para sua carreira profi ssional? A edifi cação dos valores, virtudes e ideais de cada um de nós, tem suas primeiras fundações dentro de casa, ao lado da família. A partir disso, nos desenvolvemos e colocamos em prática nossa individualidade. Entre os ensinamentos dos meus pais, es- tavam a responsabilidade em cada atitude, a disciplina, a persistência, a valorização do que há de mais sim- ples e, ao mesmo tempo, ao meu ver, de sabedoria: respeitar o próximo, ser amigo, ajudar, esforçar-se para ter êxito no que for feito. Em mais de 40 anos de carreira mi- litar, posso dizer que sempre pautei minha vida pelos ensinamentos dos mais velhos. Obter sucesso profi ssional, sob meu ponto de vista, é ser feliz, amar profun- CECOMSAER . 100 anos da imigração japonesa 13 damente o que faz. Disse, ao assumir o Comando da Aeronáutica, que estava recebendo a maior missão de minha existência: comandar a Força Aérea do meu país. Contudo, sou o mesmo homem, agregado de experiência, que ingressou no início da década de 60 na Escola Preparatória de Cadetes do Ar. Penso que sempre objetivei realizar tudo da melhor forma possível e me adapto muito bem às regras. Muito do que consegui, sem dúvida, devo aos valores que meus pais me passaram. De fato, reafi rmo que os ensinamentos dos meus antepassados são fundamen- tais em minha trajetória. Meus pais são exemplos de vida. Tenho absoluta tranqüilidade em reafi rmar que nunca tive difi culdade de qualquer adaptação à carreira militar porque, no cerne da caserna, estão explícitos os valores de patriotismo e idealismo. Todo esforço de cada dia está mais do que inspirado no amor ao Brasil. Humildade, rigor e dedicação são fundamentais para o bom exercício de nossa profi ssão. De fato, minha família e amigos dos meus parentes de origem nipônica sempre valorizaram bastante a educa- ção e o trabalho. No começo, estudava com outros fi lhos de imigrantes. Fui para a Aeronáutica depois de conhecer um sargento da FAB amigo da minha família, também fi lho de japoneses. Fi- quei impressionado com aquela farda. Perguntei a ele como poderia também servir a Aeronáutica. Ele me disse que eu deveria estudar. Foi isso o que fi z. Por que escolheu a carreira militar? A carreira militar é minha vocação de vida. Ingressei na FAB no ano de 1960. Completei, portanto, 48 anos de serviço em 2008. Em todo esse tempo, posso dizer que fui extremamente satisfeito e feliz com a profi ssão que abracei. Formei-me Aspirante em 1965 e fui para a aviação de caça. Tenho mais de seis mil horas de vôo e já exerci cargos em diferentes lugares do país. Quanto mais conheço, mais vejo o quanto cada um de nós pode contribuir para fazer do Brasil, a cada dia, um país melhor. Ser Comandante da Aeronáutica me honra. Cada dia que venho trabalhar é como se fosse o primeiro. Mantenho o mesmo espírito de cadete, idealista e com vontade de trabalhar por meu país. Como o senhor vê a contribui- ção da comunidade nipônica para o desenvolvimento do Bra- sil? Acredita que seja um exem- plo de integração cultural? Somos mais de 1,5 milhão de des- cendentes de japoneses neste Brasil maravilhoso. Essa população é tão numerosa porque este país recebeu bem nossos ancestrais. Se não fosse assim, eles teriam voltado para o Japão ou procurado outro lugar para viver. Meus pais fi zeram uma grande escolha e tomaram uma atitude bastante corajo- sa. Todos os descendentes que conheço, de fato, são pessoas lutadoras e que buscaram seu espaço por intermédio do trabalho, da correção de atitudes, da honestidade e do estudo. Eu me considero mais um dessa comunida- de vitoriosa, comunidade esta que se integrou na sociedade, participando em seus diversos ramos, tais como: agricultura, indústria, comércio, três poderes etc. O que signifi ca para o senhor esses 100 anos de integração? Mesmo tão distantes geografica- mente, os povos de Brasil e Japão colaboraram para que os dois países se tornassem bem próximos. Quan- do o Kasatu-Maru chegou ao Porto de Santos há 100 anos, começava ali uma trajetória épica de um povo e, posteriormente, dos seus descen- dentes. Já fui ao Japão duas vezes em minha vida. Emocionei-me ao refl etir a respeito da coragem da mi- nha família em aventurar-se numa terra tão distante, língua e costumes diferentes. Hoje, essa amizade é tão forte porque um dia chegou aquele navio em Santos. Depois, imigrantes e descendentes ajudaram a cons- truir essa história, no campo ou na cidade, junto a pessoas vindas de tantos outros países que encontra- ram no Brasil seu porto seguro. São 100 anos de uma grande história de amizade que nós brasileiros deve- mos celebrar a cada dia. Cerimônia em Hiroshima: Comandante e Brigadeiro Shibata depositam fl ores pela paz ARQUIVO PESSOAL Aerovisão . 100 anos da imigração japonesa 14 Por Tenente Jornalista Luiz Claudio ARQUIVO PESSOAL Aerovisão 14 .................................................... ...................................... 15 “Arigato” significa obrigado. Eis uma boa palavra para pronunciar em alto e bom som aos “nikkeis” da Força Aérea Brasileira. Com eles, seria possível ir até um pouco além no idioma japonês. Os pais e avós deles ensinaram a língua pátria aos brasileirinhos que foram entender o português só quando adentraram na escola primária. Mas a influência dos ancestrais, de acordo com o que apurou a reportagem de Aerovisão, vai muito além do idioma. Influências, aliás, que segundo os militares ouvidos, foram muito importantes para a adaptação à vida na caserna. Disciplina, persistência, humildade, respeito, serenidade e abnegação estão entre as características que os próprios descendentes enxergam na porção japonesa da família e que se traduziram em atitude para os que aspiraram um dia atuar na FAB. Dos 1,5 milhão de descendentes de japoneses que são brasileiros, um grupo não quantificado vestiu a farda azul e decolou na carreira para servir ao Brasil. Eles compõem, dentro do caldeirão cultural brasileiro, exemplos de integração permanente ao país plural que se formou. Se o país é plural, a Força Aérea também se faz assim. De sotaques diferentes, de culturas distintas, de lembranças que descrevem um caminhar, ou melhor, um voar. Nos ares ou em terra, há diversos olhos puxados bem brasileiros que se dedicam à tarefa de defender o país, em trabalho anônimo. Para eles, dizer “arigato” é pouco. Se não é possível quantificar o total de descendentes de japoneses na instituição, um antigo ARQUIVO PESSOAL 15 Helena Takamura e Julio Sadao Takamura (Coronel Takamura) em Itiruçu-BA No ano que marca o centenário da imigração japonesa, procuramos algumas histórias de militares da FAB que são filhos ou netos de imigrantes do País do Sol Nascente. Aerovisão conversou com diversos militares da ativa e da reserva, descendentes de japoneses. Eles desempenham ou desempenharam várias funções. Exatamente como acontece em todos os ramos da sociedade, desde que chegaram os primeiros em 1908. Ao deparar-se com suas trajetórias de vida, compreende-se como a bagagem de valores morais, culturais e profissionais colabora com a instituição. Sobretudo, eles trazem, em comum, além dos olhos puxados, um imenso amor ao Brasil Passado e futuro. À esquerda o aluno Takamura da EEAR. À direita, o Coronel-Aviador Aerovisão 16 ARQUIVO PESSOAL ofi cial aviador chegou perto nessa pesquisa. Um levantamento re- alizado pelo Coronel da reserva da FAB, Julio Takamura, chegou a um número de 122 (até feverei- ro de 2007), somando-se apenas Ofi ciais-Generais (Brigadeiros) e Superiores (Coronéis, Tenentes-Co- ronéis e Majores) da instituição. Ele Família Takamura registra imagem após a chegada no Brasil. Expressões da saudade e da esperança de sucesso planeja atualizar essa quantidade e pesquisar também em todas as patentes. “É uma pesquisa bastante complicada. Precisaria de alguns meses para confi rmar quantos são os descendentes de japoneses que integram a Força Aérea”, disse. Mas o Coronel não desanima. Con- sidera que os descendentes formam uma comunidade bastante unida, que se ajuda muito. Inspiração para o seu trabalho não falta. O amor à família e ao passado de desafi os o embasam e o emocionam. Essa busca histórica começou a partir da própria genealogia. Fez questão de juntar documentos, ligar para parentes distantes, cruzar dados e mergulhar na história que o an- tecedeu. Descobriu que o caminho de sua família parecia similar ao da família dos amigos, também descendentes de japoneses: a ex- pectativa, a chegada, a lavoura, a luta, o trabalho, o estudo, a deci- são de fi car. Seu pai, Massakatsu Takamura, é natural da província de Kumamoto, no sul do Japão. Ele chegou ao Brasil a bordo do navio “Manila-Maru”, em 1930, no Porto de Santos, com 15 anos de idade. Estabeleceu-se, inicialmente em Santa Eliza, em São Paulo, traba- lhando na agricultura. “Minha mãe ARQUIVO PESSOAL ARQUIVO PESSOAL . 100 anos da imigração japonesa 17 era de Fukagawa e chegou em 1935. Meus pais se conheceram no Brasil. Foram para São Paulo e até à Bahia para viabilizar a agricultura em Itiruçu, onde eu nasci”, conta. Foi na Nisseis (Coronéis-Aviadores) da esquerda para direita: Eduardo Akira Furusawa, Julio Sadao Takamura, Yoshio Takano, Paulo Fumihito Nonaka , José Takashi Ohashi, Hiromiti Yoshioka, Kunioki Shibao. Uma tropa unida com muito em comum ................................................................................ O primeiro oficial-general de descendência japonesa e que chegou ao mais alto posto da instituição foi o Tenente-Brigadeiro-do-Ar Masao Kawanami. Há 10 anos na reserva, hoje ele vive na cidade onde nasceu, Nhandeara, no interior de São Paulo. Foi lá que seus pais, Hiroko e Takeo, imigrantes oriundos da província de Hokkaido, foram viver e trabalhar no campo. O exemplo de esforço e disciplina foi impulso para a vida militar. “Os valores que aprendia em casa eram plenamente utilizados no dia-a-dia profissional. Meus pais eram extremamente disciplinadores e isso foi muito bom”, disse em entrevista por telefone. A paixão pela aviação surgiu aos oito anos de idade, “nos tempos que Congonhas era uma pista de terra e que fazia meus próprios aeromodelos”. Interessante o destino. O último cargo dele foi o de Diretor-Geral do extinto Departamento de Aviação Civil (DAC). “Toda a minha vida foi pautada pelos aprendizados que meus pais me passaram”, disse. Quando foi para a reserva, o Oficial-General aproveitou para dizer o quanto era grato à família. “Aos meus avós, pais e tios, que aqui chegaram em busca de terra mais fértil para o cultivo e florescimento dos seus descendentes, agradeço a sua atitude de amor”.Bahia que o menino Julio Takamura sonhou um dia entrar para a FAB. “Lembro de um avião passando em cima da nossa casa. Eu, com 8 anos, estava sentado num galho de abacateiro e disse que queria ser piloto. Meus pais faziam uma exigência: que os filhos não deixassem nunca de estudar”. Takamura entrou para a Escola de Especialistas em 1967. Formou-se Sargento Desenhista. Depois, prestou concurso para a Academia da Força Aérea, onde se tornou oficial-aviador. “No legado que os nossos pais e tantos outros imigrantes japoneses deixaram para os seus filhos, estão um pouco da cultura, das tradições, dos costumes e da disciplina japonesa, tornando o descendente brasileiro especial e verdadeiramente orgulhoso de ter recebido esta influência”, diz o “pesquisador”. Hoje, ele é casado com Laura Imazawa, tem dois filhos, Eduardo Kenji e Tatiana Sayuri Takamura. Tenente-Brigadeiro Kawanami recebe o espadim em despedida ARQUIVO PESSOAL O primeiro Brigadeiro-de-Infantaria, Agostinho Shibata, em treinamento como aspirante O Brigadeiro Shibata é homenageado em mostra cultural nipônica Aerovisão 18 ARQUIVO PESSOAL TINNA EVANGELISTA/INFRAERO . 100 anos da imigração japonesa Infante – O primeiro Brigadeiro-de- Infantaria da história da Aeronáu- tica, Agostinho Shibata, é também um descendente que considera o ano de 2008 um momento de resgate da história dos seus antepassados. O pai dele, Yoshio Shibata, nasceu em Hokkaido, no norte do Japão e chegou em Santos no ano de 1927 no navio “Brasil-Maru”. “É uma honra para nós, descendentes, esse reco- nhecimento da história dos nossos pais e da contribuição deles para o Brasil”. Até os seis anos de idade, o menino Agostinho falava apenas japonês e teve uma infância na la- voura de arroz na cidade de Registro (SP), onde nasceu. Depois de chegar ao primário, teve as primeiras aulas em português. Para ele, a importância que os pais deram ao estudo foi primor- dial para que pudesse ingressar no concorrido curso para cadete da Aeronáutica. Depois, a influência das raízes continuou sendo impor- tante para sua vida profissional. “Sempre associei alguns prin- cípios transmitidos pelos meus pais à vida na caserna, o que me ajudou demais, como o respeito ao próximo e a atenção especial aos mais experientes”. O Briga- deiro cita também que hierarquia e disciplina se aprende bem nos lares nipônicos. Neste ano, o Ofi- cial-General teve a oportunidade de acompanhar o Comandante da Aeronáutica em solenidades especiais alusivas ao centenário da imigração. “Foi emocionante conhecer mais da terra dos meus pais e imaginar como foi a trajetó- ria deles até o Brasil”. Esportista – O Major Luiz Carlos Fu- miaki Miwa concedeu entrevista para Aerovisão pouco depois de ser o terceiro lugar no campeonato mundial militar de taekwondo, re- alizado em Seul. Sucesso no espor- te e na vida profissional, ele atribui à persistência herdada da família o segredo para se sobressair. “Sempre fui muito cobrado pelos meus pais, principalmente no que se refere ao estudo e também na parte esportiva. Cobravam esforço e persistência”. O pai do oficial da FAB, Fumio Miwa, faixa preta de judô, veio da província de Aichi e a família da mãe, Adélia Setumi Miwa, é proveniente de Shikoku, cidade de Imaharu. “Vi minha mãe trabalhando como costureira a noite inteira, para dar o melhor para a família. Passamos muitas dificuldades. Mas ela me ensinou a não desistir jamais”. Deu certo. Quando Fumiaki passou para a Academia da Força Aérea, tam- bém tinha sido aprovado no ITA (para engenharia) e na USP (para ser médico). Escolheu ser aviador da FAB. 19 O Major Luiz Carlos Fumiaki Miwa com a equipe brasileira no Campeonato Mundial Militar de Taekwondo realizado em Seul na Coréia ARQUIVO PESSOAL Pai e filha. Os controladores de vôo Su- boficial Jorge Ioshiro Hataka e a Sargento Thaís Tieimi Hataka Resgate – O Capitão Roberto Tomita, antes de ser piloto de helicóptero e oficial especializado em busca e salvamento, cursava duas faculda- des ao mesmo tempo: odontologia e engenharia mecânica. Deixou tudo para ingressar na Academia da Força Aérea. Dentro do quartel, identifi cou algumas semelhanças com a rotina de casa. “Minha educação oriental teve muito de disciplina. Um símbolo disso que admiro muito é que sempre esperávamos os mais velhos antes de nos sentarmos à mesa. Assim ocorre também na vida militar, o respeito à sabedoria dos mais velhos”. O ofi cial sempre se espelhou na garra e no esforço da família. O pai, Seishiro To- mita, nasceu em Marília (SP), depois que os avós, oriundos de Fukui, no Japão, chegaram ao Brasil. “Sempre penso que eles passaram muitas difi - culdades. Depois vieram para o Brasil e fi zeram uma trajetória incrível. Da lavoura, criaram uma própria coope- rativa de laticínios”. O esforço da família inspira o aviador em suas missões árduas, como as recentes buscas às vítimas do acidente com o vôo 1907. Outras terminam com fi nal feliz. “Cada vez que resgatamos ou salvamos a vida de alguém, sei que minha família vai se orgulhar de mim também”. Em família – A Sargento Thaís Tieimi Hataka, de 22 anos, neta de japone- ses, é controladora de tráfego aéreo em São Paulo. Não é a primeira da família a exercer a função. “Meu pai, Jorge Ioshiro Hataka, também foi controlador e eu gosto muito da minha profissão”. Ela reconhece que alguns valores nipônicos, como disciplina, esforço e humildade, são reconhecidos também na vida militar. “Nunca tive qualquer problema de adaptação ao quartel, desde a Escola de Especialistas. Sempre ouvi de meus pais que o estudo e o trabalho devem ser respeitados. Hoje sou uma pessoa muito feliz no que faço. Meu pai e toda a minha família sempre aprovaram a minha escolha e sei que se orgulham de mim”, diz. Hakata, Tomita, Fumiaki, Shibata, Miwa, Saito...São mais do que sobrenomes que se integraram. Nos descendentes, vive um sentimento imensurável transformado na necessidade de ser- vir ao país em que nasceram. De farda azul, declaram diariamente o amor ao que os ancestrais chamavam de “Burajiru” e hoje, com todas as letras, emocionam-se em falar Brasil. O Brigadeiro Shibata recebe os cumprimentos do Presidente da República ARQUIVO PESSOAL


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