Soroban

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* Artigo em inglês, de Nathan Sivin, sobre ciência e medicina na China antiga: [http://ccat.sas.upenn.edu/~nsivin/ropp.pdf ''Science and Medicine in Chinese History''] * Artigo em inglês, de Nathan Sivin, sobre ciência e medicina na China antiga: [http://ccat.sas.upenn.edu/~nsivin/ropp.pdf ''Science and Medicine in Chinese History'']
* Imagem do relevo "Testamentum": [http://www.superstock.com/stock-photos-images/1039-15421 ''Photo of Testamentum Relief''] * Imagem do relevo "Testamentum": [http://www.superstock.com/stock-photos-images/1039-15421 ''Photo of Testamentum Relief'']
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Conteúdo

O que é Soroban?

Soroban (算盤, そろばん) é o ábaco japonês, instrumento utilizado há séculos pelos japoneses para efetuar operações matemáticas. No Japão, a palavra “soroban” designa qualquer tipo de ábaco.


Descrição

O formato mais familiar consiste em caixilho, moldura ou bandeja oblonga (waku, 枠), mais largo do que alto, que se reparte longitudinalmente por uma barra estreita ou divisória (hari, 梁) em dois campos desiguais, um dos quais, o inferior (“terra”, chi, 地), é cerca de três a quatro vezes maior que o outro (“céu”, ten, 天). Hastes cilíndricas (keta, 桁) distribuídas em intervalos iguais atravessam a barra perto da sua borda superior e estão firmemente fixadas nos limites superior e inferior do caixilho. Nessas hastes estão enfiadas as contas (tama, 珠). O tamanho das contas determina o intervalo entre as hastes, cujo número (de 3 a mais de 27, e em geral ímpar) evidentemente variará segundo o comprimento do caixilho. Cada conta é radialmente simétrica com respeito à sua haste, ao longo da qual desliza com facilidade. Observando-se o caixilho de frente, a forma da conta, em perspectiva, é a de um losango, com a haste a atravessar-lhe os ângulos obtusos. Essa forma de duplo cone (bicônica) torna rápida a manipulação, visto apreenderem as pontas do dedos a aresta da conta com facilidade e precisão. Em cada haste atualmente há cinco contas. Quatro delas deslizam no segmento mais longo da haste, a outra no mais curto. Quando as contas em qualquer segmento de uma haste são postas em contacto próximo, uma parte da haste fica exposta. A extensão dessa porção exposta é determinada por uma dupla consideração: deve ser longa o bastante para ser claramente visível, mas não tão longa que dificulte a ação dos dedos por se distenderem demasiado.

Ele é um instrumento de cálculo, em que se podem efetuar todos os tipos de operações, desde que apareçam numerais. Com ele, é possível até extrair raízes cúbicas com a rapidez de uma calculadora eletrônica e realizar operações com até 27 dígitos - número de hastes de um dos modelos atualmente existentes no mercado - o que supera as calculadoras convencionais, que geralmente não vão além de nove dígitos.

O soroban moderno mais usual possui em média 23 hastes verticais com cinco contas cada uma. A conta na parte superior do instrumento (conta quinária, go-dama, 五珠, 五玉) possui valor 5, e as da parte inferior (contas unitárias, ichi-dama, 一珠, 一玉) valem uma unidade cada uma. Na divisória, de plástico ou de madeira com incrustação de celulóide ou mesmo de osso, existem pontos de referência (teiiten, 定位点) demarcados a cada quatro hastes para localizar as ordens de cada classe, definindo e identificando a casa da unidade, dezena, centena, etc, bem como os decimais. Em modelos mais antigos, a divisória traz, insculpidos ou pintados, ideogramas (kanji) que representam unidades monetárias ou do shakkan-hō (尺貫法), o antigo sistema japonês de pesos e medidas (701-1924, oficialmente proibido em 1966).

A metade esquerda do soroban chama-se kami (上) e a direita shimo (下).

Manejo

Ainda que possível ser autodidata com auxílio de livros ou guias eletrônicos, no começo é preciosa a orientação de um professor ou pelo menos de um praticante experiente.

Há por assim dizer uma ergonomia do soroban: uma postura adequada importa para garantir velocidade e precisão, bem como para prevenir o cansaço. Assim, é aconselhável sentar-se com o corpo reto, de preferência sem cruzar as pernas, nem apoiar antebraços ou cotovelos.

Ao utilizar o instrumento, o educando posiciona-o sobre uma base plana, com a parte maior, ou seja, a das quatro contas, voltada para o seu corpo. Segurando o aparelho com a mão esquerda para o fixar e não o permitir deslizar, manuseia-o com a mão direita, utilizando apenas o polegar e o indicador, contraídos os demais dedos; o indicador para baixar as contas unitárias e levantar e baixar a conta quinária, o polegar para levantar as contas unitárias; a regra vale tanto para os destros quanto para os canhotos.

Um dos segredos para a rápida operação consiste em manter os dedos próximos das contas, de modo que toquem de leve as arestas delas, não os deixando muito ao alto nem muito baixo entre conta e conta.

O funcionamento baseia-se nos chamados números complementares, especificamente nos complementos de 5 e de 10.

Materiais

Tradicionalmente madeira, mas há soroban feitos de plástico, metal ou até de pedra.

O material para as contas deve ser nem leve nem pesado, não sujeito a rachar ou contrair. As madeiras mais usadas são bétula de Schmidt (ono-ore-kanba, 斧折樺, Betula schmidtii), buxo (tsuge, 柘, Buxus microphylla var. japonica), carvalho japonês (kunugi, 櫟, Quercus acutissima), isu (isu, 柞, Distylium racemosum), carvalho ubame ou umame (ubamegashi, 姥目樫; umamegashi, 馬目樫, Quercus phillyraeoides). Modelos de luxo podem ter contas de jacarandá (shitan, 紫檀, Dalbergia spp), sândalo vermelho (kōki, 紅木, Pterocarpus santalinus) ou ébano (kokutan, 黒檀, Diospyros spp) e até, eventualmente, madeiras centenárias. Nas eras Edo e Meiji, era comum ameixeira japonesa (ume, 梅, Prunus mume) e shimagaki (縞柿, tipo de caquizeiro). Na era Taisho era usado rikunan (陸南), madeira importada do sudeste da Ásia continental. As contas podem ser também de osso ou de plástico.

O material para o caixilho deve ser escuro (para contrastar com as contas), pesado, não sujeito a se contrair ou empenar; deve ainda absorver a vibração do movimento das contas. As madeiras mais usadas são ébano e carvalho japonês.

As hastes são de bambu (madake, 真竹, Phyllostachys bambusoides), em alguns modelos envoltas em anéis de alumínio engastados no caixilho a certos intervalos. Podem ser ainda de metal. Em modelos de luxo, as hastes podem ser de bambu defumado (susutake ou susudake, 煤竹; bambu usado em tetos de construções de telhado de colmo que se tornou marrom com o passar dos anos como resultado de impregnação por fumaça de lareira, fogareiro ou fogão a lenha).

A divisória com os pontos de referência atualmente é de plástico. Pode ser de madeira bem estreita com filete de celulóide incrustado; pode ser uma barra de madeira entalhada com incisões, pontos e/ou ideogramas, ou coberta por lâminas de osso com ideogramas pintados ou por lâmina de metal insculpido.

Nos soroban de fundo aberto, os esteios anti-empenamento (ura-bo, 裏棒) sob as hastes podem ser palitos de madake ou peças de madeira (ura-ita, 裏板), amiúde tabuinhas acinturadas de bordas lavradas, com ou sem anéis de alumínio engastados no caixilho (modelos mais recentes só têm ura-bo; modelos algo mais antigos trazem ambos ou somente ura-ita). Nos soroban de fundo fechado, uma peça central de madeira fixada com cavacos percorre e firma o caixilho de alto a baixo.

Lixas de várias granulações e folhas de uma árvore chamada muku (椋, Aphananthe aspera) são empregadas, juntamente com cera, no polimento de um soroban de fabricação artesanal para lhe conferir um lustre incomparável. É comum que um soroban fabricado por mão de mestre leve o nome (ou assinatura) deste insculpido discretamente num canto do lado interno do caixilho.


Soroban sofisticado da atualidade, One Touch, com dispositivo para zerar  o soroban, deixando-o pronto para o uso
Soroban sofisticado da atualidade, One Touch, com dispositivo para zerar o soroban, deixando-o pronto para o uso

Onde se originou o Soroban?

A sua origem se perde nos mantos do tempo. É tão antiga quanto a história da humanidade. O certo é que se originou da tábua de calcular, o mais antigo dos ábacos, diante da necessidade da humanidade de negociar.

Alguns dizem que o soroban ainda em estágio de ábaco, teve sua origem na Mesopotâmia. O que sabemos é que esta tábua de calcular passou por muitas mudanças até a sua configuração atual, evoluiu e sendo bastante utilizado pelos povos do oriente. A sua forma, tamanho, material e dispositivo, variou de acordo com os usuários, e hoje existem vários tipos de ábacos utilizados pelo mundo inteiro.

O ábaco pressupõe um estágio de civilização pós-nomádico, agrário e comercial, a existência de certo nível técnico e científico, uma burocracia de estado, e uma necessidade de calcular que colide com um sistema de algarismos inadequado ao cálculo por escrito e com a escassez de material conveniente para a escrita (suporte escritório). Isso explica a existência, real ou postulada, do ábaco, sob variadas formas, em diferentes povos e civilizações. No caso da China (e do Japão), tanto os algarismos tradicionais (ideogramas, seja na forma comum ou na solene, que são ao mesmo tempo números e palavras) quanto as formas usadas pelos comerciantes (baseadas nos bastões de cálculo) dificultavam o fazer contas por escrito, de modo que nos tempos anteriores à introdução dos algarismos indo-arábicos e aos instrumentos mecânicos de cálculo oriundos do ocidente (máquinas de somar, calculadoras elétricas e eletrônicas, réguas de cálculo, etc) os ábacos eram indispensáveis para contar.

Os ábacos mais antigos que se conservam são os de contas soltas, gregos (ἄβαξ, ἀβάκιoν), de pedra, dentre os quais o mais conhecido é o ábaco de Salamina (referência epigráfica: IG II2 2777), descoberto na ilha de Salamina por volta de 1846, descrito em 1846 por Alexandros Rizos Rangabé (1810-92), que viu nele um tabuleiro de jogos, e discutido por Letronne e Vincent, que o identificaram como ábaco, concedendo que se pudesse usar como tabuleiro de jogos (in Revue Archéologique, année III, Paris, A. Leleux, 1846, 294-304; 305-308; 401-405). Ainda no âmbito helênico (Magna Grécia), merece menção o chamado Vaso de Dario, descoberto numa tumba datada do século III a.C. em Canosa (Kanusion, Canusium), Itália, em 1851. Exposta hoje no Museo Archeologico Nazionale di Napoli, essa grande peça de cerâmica (130 cm) representa na parte inferior, entre numerosas figuras históricas e mitológicas, um tesoureiro ou coletor de impostos calculando com um ábaco de contas soltas (uma mesinha adaptada) enquanto consulta um díptico de tábuas enceradas; o ábaco mostra a quantia de 1231 dracmas e 4 óbolos. Um calculador exatamente na mesma posição que o coletor de tributos no Vaso de Dario aparece num camafeu, selo ou gema entalhada de procedência etrusca ou romana, no Cabinet des Médailles de la Bibliothèque Nationale (Gabinete das Medalhas da Biblioteca Nacional), Paris; a tábua encerada na sua mão esquerda mostra os sinais para as unidades, dezenas, centenas e milhares, enquanto com a direita ele põe os cálculos sobre o ábaco-mesa.

Da Roma antiga, não obstante a literatura clássica conter dezenas de alusões ao ábaco (abacus, tabula, tabella) e às contas (calculi, aera), não se descobriram até agora ábacos de contas soltas como os gregos, mas tão só representações mais ou menos controversas, das quais a mais clara é a que consta num relevo funerário do século II d.C. que está no Museo Capitolino, em Roma. Apelidado por arqueólogos de “Testamentum” (O Testamento), interpreta-se tradicionalmente como uma cena em que um homem dita instruções à esposa, sentada à direita, enquanto outro homem (talvez um escravo), à esquerda, faz contas num ábaco, provavelmente calculando a distribuição dos bens para que a soma dos quinhões não exceda o patrimônio total. Para Eve d’Ambra (“Mourning and the Making of Ancestors in the Testamentum Relief”, in American Journal of Archaeology, Vol. 99, No. 4 (Oct., 1995), pp. 667-681), o relevo representa o falecido como um jovem na flor da idade, reclinado num tipo de divã (uma kline grega), segurando um rolo de papiro com uma mão, a qual repousa sobre o joelho da matrona sentada ao seu lado numa cadeira, os pés sobre um escabelo; a matrona, com véu na cabeça a indicar luto, abraça o filho, que olha em sua direção; um retrato em escudo (clipeata imago) representando provavelmente o falecido pai do rapaz e marido da matrona localiza-se acima e atrás do falecido. Um pequeno escravo, em pé, posta-se à esquerda do relevo. Com base em comparações com outras obras e na análise dos penteados, roupas e outros elementos, a especialista sustenta que o relevo data da época de Trajano, representa uma família de libertos (ex-escravos) e, em vez de documentar a transmissão de patrimônio na família (testamentos eram lavrados em tábuas enceradas, não em rolos de papiros, os quais eram o formato tradicional do livro, símbolo usado para denotar a cultura do portador), indica antes o cumprimento do dever de cultuar os falecidos, comemorando-os com obras de arte que os transformavam em antepassados de uma linhagem. O escravo com ábaco figura no relevo provavelmente para mostrar que a família enriquecera a ponto de precisar de um guarda-livros e que teria sido libertado com a morte do jovem. Quanto a instrumentos reais do mundo romano, restam somente três ábacos portáteis metálicos autênticos (um na França e dois na Itália) e descrições (ou menções) de outros dois (ou três) em autores dos séculos XVI e XVII (Orsini, Agustín, Chacón, Pignoria, Welser, Gruter, Hofmann).

Segundo Francis Pierrepont Barnard (The Casting-Counter and the Counting Board, Oxford, Clarendon Press, 1916), na Europa ocidental, entre 1200 e 1600, usavam-se peças monetiformes sobre tabuleiros, mesas ou balcões com linhas riscadas, pintadas, entalhadas ou incrustadas para se fazer contas. Na Inglaterra, França e Alemanha também se usavam toalhas riscadas ou bordadas com linhas (carpets for the counter, bure, Rechentuch). O nome dessas peças era jeton, jetoir, jettouer, méreau à compte (francês), jetton, (casting-)counter (inglês), Rechenpfennig, Reckenpfening, Raidtpfening, Raidtgroschen (alemão), worpghelt, rekenghelde, rekenpenning, legpenning (flamengo/neerlandês), contador, gitón, cálculo (espanhol), jactus, projectile, denarius, nummus, numisma, calculus (latim medieval e neolatim), "contos pera contar", tentos de contar, moedas de conto (português). O seu uso é documentado na Casa Real de França desde o século XIII, donde se espalhou para a burocracia e para o povo em geral, e em seguida para o estrangeiro. Vários autores publicaram métodos de aritmética com moedas de conto ao longo dos séculos XVI e XVII: Robert Recorde, John Awdeley, Gregorius Reisch, Johannes Cusanus, Joannes Martinus Siliceus, Jacob Köbel, Juan Perez de Moya, Jan Trenchant, François Legendre, Adam Ries, Jehan Adam, Johann Albrecht, etc. Com a adoção paulatina dos algarismos indo-arábicos, esse gênero de aritmética instrumental entrou em lenta agonia. França e Alemanha conservaram esse tipo de ábaco até o fim do século XVIII. A Rússia medieval também teve um método próprio algo semelhante, talvez autóctone, antes do aparecimento do stchoty.

Na Índia, segundo R. Venkachalam Iyer, “pandits” (eruditos versados nos Vedas, em direito hindu, filosofia e ciência) ortodoxos usavam até recentemente, para realizar as quatro operações, um conjunto de conchinhas chamadas “rāsi” (Cypraea spp.), semelhantes aos “búzios” de adivinhação no Brasil, das quais uma centena de alongadas (anka rāsi) para representar os números de 1 a 9, e uma dúzia de arredondadas (sūnya rāsi) para representar a ausência de número numa posição (o zero); manipuladas sobre uma superfície plana, eram agrupadas em tríades (em caso de números maiores que 3) para facilitar a visualização. (The Hindu abacus, in Scripta Mathematica, vol. 20, 1954, pp. 58-63)

Os modelos de contas enfiadas em hastes fixadas em caixilho ou bastidor não são muito antigos. Na Rússia há o stchoty (счёты; séc. XVII), cujo uso vem rareando desde a década de 1970, e que, levado à França por Jean Victor Poncelet em 1814, originou o ábaco escolar de 10 contas por haste (cidade de Metz, entre 1814 e 1840), segundo Irina e Dmitri Gouzévitch (La Guerre, la Captivité et les Mathématiques, in Bulletin de la Société des Amis de la Bibliothèque de l'École Polytechnique, 19, jun.1988, p.62); o stchoty foi também levado, possivelmente através da Turquia, à Pérsia (atual Irã), onde até recentemente era usado sob o nome de chortkeh (pron.: tchortkêh). Na China, o “suàn pán” (ou “suan p’an”, tábua ou bandeja de calcular, também chamado literariamente de “chou pan”) teria surgido entre 1280 e 1380, suplantando rapidamente varetas e blocos de cálculo. Na Coréia é usado o "tchu pan", um ábaco praticamente idêntico ao japonês. No Vietnam, o "ban tuan" ou "ban tien". E no Japão, o ábaco recebeu nome e características especiais: Soroban.


Soroban Russo ou Stchoty; a segunda e a quinta conta preta do lado esquerdo, de cima para baixo representam as casas dos milhões e dos milhares.
Soroban Russo ou Stchoty; a segunda e a quinta conta preta do lado esquerdo, de cima para baixo representam as casas dos milhões e dos milhares.
Soroban de Bolso
Soroban de Bolso



Soroban japonês de 2 posições
Soroban japonês de 2 posições



Soroban Antigo Dobrável
Soroban Antigo Dobrável
Soroban Antigo em Rolo - Ligthroll
Soroban Antigo em Rolo - Ligthroll



O ábaco chegou ao Japão provindo da China (talvez por intermédio da Coréia), onde se chama suan pan. Considera-se que o estudioso de suan pan que o transformou em soroban teria sido o professor Kanbei Mōri (também conhecido como Shigeyoshi Mōri, 毛利重能 Mōri Shigeyoshi), no ano de 1622, tendo tido vários adeptos em Kyoto, a antiga capital do Japão. O soroban apresentava então o seguinte aspecto: duas contas na porção superior e cinco na inferior, possibilitando registrar valores de “0” a “15” em cada coluna. Esta configuração se deveria a, entre outros fatores: a) o sistema de pesos e medidas em uso na China de então (16 taéis, i.e. onças chinesas, ou "liăng" (jap. ryō), 兩, perfaziam um cate, i.e. libra chinesa, ou "jīn" (jap. kin), 斤, cerca de 600 gramas); b) um dos métodos chineses de multiplicação; c) o método chinês mais comum de divisão no suan pan, baseado numa tabuada especial.


              Soroban Japonês antigo
Soroban Japonês antigo



          Soroban Chinês Antigo (reconstituição)
Soroban Chinês Antigo (reconstituição)
        Soroban Chinês, ou Suan Pan
Soroban Chinês, ou Suan Pan


A primeira transformação ocorreu ainda na época do Japão feudal, mas somente no desenho das contas: a forma destas, ao ganhar aresta central, passou de arredondada a rombóide (vista em corte transversal). Na era Meiji (1868-1912) houve a segunda adaptação feita no Japão, que foi a retirada de uma das contas superiores. Ainda assim, podia-se representar de “0” a “10” em cada ordem, totalizando 11 possíveis valores.


      Soroban Japonês de 5 Contas, ou Itsutsudama Soroban
Soroban Japonês de 5 Contas, ou Itsutsudama Soroban


A terceira e última transformação aconteceu por volta de 1930. Como o Japão utilizava o sistema decimal, apesar da diferença de ordens por classe (unidades, dezenas, centenas, milhares, miríadas, na contagem sino-japonesa), foi natural a retirada da quinta conta unitária, o que originou o soroban moderno. Este ainda é referido como novidade em 1933. Quando em 1935 se revisaram os manuais escolares japoneses, o soroban 1+4 tornou-se o padrão e o seu uso alastrou-se no Japão.


      Soroban Moderno, ou Yotsudama Soroban
Soroban Moderno, ou Yotsudama Soroban


Este é o soroban que predomina até os nossos dias, podendo-se hoje encontrar modelos para utilização tanto por pessoas dotadas de visão como por deficientes visuais, pois de acordo com a necessidade variam os tipos. Seu processo de evolução, tornando-o um instrumento cada vez mais preciso e de fácil manejo, acompanhado de seu uso intensivo nas escolas, evidenciou aos professores japoneses um fenômeno singular: o desenvolvimento, em alguns abacistas, de uma capacidade de efetuar cálculos mentais apenas com manipular as contas de um soroban imaginário. Tal capacidade, batizada de anzan (暗算, cálculo mental; literalmente “cálculo no escuro”), é hoje um dos objetivos do aprendizado do soroban. Estudo conduzido por Giyoo Hatano (Universidade de Dokkyo) e Keiko Osawa (Universidade de Tóquio) (Digit memory of grand experts in abacus-derived mental calculation, in Cognition, 15 (1983), 95-110) demonstrou que abacistas exímios em anzan são capazes de reter na memória por no mínimo 30 segundos imagens de números de 5 a 9 algarismos representados no soroban e reproduzi-los de trás para diante. E Kimiko Kawano (PhD), pesquisadora do Centro de Informática e Ciências da Escola de Medicina do Japão (Nippon Medical School, Nippon Ika Daigaku, 日本医科大学), apurou mediante electroencefalografia (EEG) que praticantes de anzan calculam com o hemisfério cerebral direito, ao passo que pessoas comuns usam o esquerdo, por causa da visualização do soroban imaginário. Abacistas exímios usam esse poder de visualização para memorizar, por exemplo, páginas inteiras de livros.

Podemos dizer que o ábaco é o pai dos atuais e modernos computadores. A Pascalina, como foi apelidada a primeira calculadora mecânica, foi criada por Pascal, inspirada nos movimentos do ábaco, em 1642. O modelo desenvolvido consistia numa caixa contendo rodas dentadas e engrenagens, que conforme se encaixavam produziam os cálculos visados.

O Soroban é apenas uma técnica?

O manuseio dele é uma técnica de cálculo, e como técnica utiliza-se de regras, entretanto as regras são as próprias redescobertas feitas pelo próprio educando que então, aplica-as a cada situação diferente, solucionando cada dificuldade com entendimento. O ato de manusear o soroban é ativo porque mantém sempre a mente do operador em movimento ao se utilizar de normas identificando a sua aplicação conforme a situação. Há, portanto, uma operação mental que na prática torna-se mais rápida, porém isto não significa que a mente deixou de operar, logo o soroban não é apenas uma técnica.


O Soroban desenvolve o raciocínio?

O Shuzan (珠算), a arte de calcular com soroban, é praticado como forma de desenvolver as habilidades mentais, pois disciplina a mente, promove a harmonia entre razão e emoção (a chamada “inteligência emocional”) e oferece vários momentos de reflexão necessária ao auto-aprimoramento.

Antes utilizado exclusivamente como calculadora, o soroban avulta hoje pelo valor pedagógico. Para nele operar com exatidão e rapidez, cumpre ser atencioso, observador, ter boa discriminação auditiva e visual, boa memória, e sobretudo concentração, controle motor e equilíbrio entre pensamento e a ação. Conseqüentemente, ao manejar o soroban, o educando desenvolve essas habilidades, necessárias a qualquer aprendizagem eficaz.

Por meio dele o educando adquire noção exata de quantidade, das ordens, estima cálculos, etc. O próprio educando avalia o seu desenvolvimento, das habilidades emocionais, sensoriais, motoras e intelectuais por meio das respostas obtidas. Refletindo sobre a razão de eventuais erros, sente o desafio de superar dificuldades, ou então se regozija com o sucesso obtido e adquire segurança e o estímulo para progredir mais.

O soroban ajuda a desenvolver a engenhosidade da mente a partir do momento em que o operador soluciona cada situação. Ao deparar-se com o cálculo, o educando faz operações mentais e estabelece relações, raciocinando portanto. Por essa razão, realizando as operações, torna-se cada vez mais hábil e ágil, o que resulta no aperfeiçoamento do seu desempenho. Com a prática assídua, mantém a mente em forma, graças a uma verdadeira “ginástica mental”. Estudantes que o praticam conseguem maior sucesso na aprendizagem de centenas de kanji (os ideogramas japoneses), tendo sido isto já provado no Japão. Está também provado que quem pratica o soroban afasta de si o estresse e retarda os efeitos da senilidade. Assim, o soroban não somente se revela útil ao desenvolvimento emocional, intelectual, moral e espiritual de crianças e jovens, senão também que contribui para manter a mente dos mais velhos sempre ativa e sã.

O Soroban no Brasil

Os primeiros sorobans introduzidos no Brasil vieram em 1908 nas malas dos primeiros imigrantes japoneses a bordo do navio Kasato Maru, quando ainda era o modelo japonês antigo, com cinco contas na parte inferior. Sem o claro intuito de divulgação, esses imigrantes usavam o soroban apenas em âmbito pessoal e profissional nos cálculos pertinentes à sobrevivência das suas famílias. Sabendo embora que o seu uso era necessário e útil, não houve quem ensinasse esta arte às novas gerações.

Em 1954, o Brasil começou a receber as levas de imigrantes do pós-guerra, que desembarcaram trazendo na bagagem o soroban denominado “moderno” (1+4). O principal divulgador do soroban no Brasil, a partir de 1956, foi o professor Fukutaro Kato (ver perfil: Personalidades). Ele começou a lecionar a técnica operatória do soroban moderno e ajudou a fundar a Associação Cultural de Shuzan do Brasil, cujo objetivo principal é a divulgação dessa arte no país. E para tanto vem promovendo anualmente, desde 1958, Campeonatos de Soroban e/ou Torneio infantil e/ou Competições entre peritos em soroban. Realiza demonstrações do manejo do ábaco em escolas, e imprensas em geral, não medindo esforços para mostrar ao povo brasileiro que esta arte é imprescindível para o ser humano, pois por meio dela se consegue desenvolver as habilidades mentais, promovendo melhor desenvolvimento mental capaz de fazer cálculos matemáticos mentalmente e com perfeição e rapidez.


     Prof. Fukutaro Kato
Prof. Fukutaro Kato


Hoje existem vários seguidores, muitos discípulos do Prof. Kato, que divulgam a técnica operatória do soroban, tendo em vista a conscientização da capacidade nata do indivíduo e o desenvolvimento do intelecto bem como a sua utilização. Dizem que normalmente o ser humano é da lei do mínimo esforço, utilizando-se apenas 15% de sua capacidade.


Torneio de Soroban Infanto-Juvenil – 1981 -  realizado em escola municipal
Torneio de Soroban Infanto-Juvenil – 1981 - realizado em escola municipal

Curiosidades sobre o Soroban

  • Desde 1854, após o tratado de amizade e comércio firmado com os Estados Unidos e mais tarde com vários países da Europa, o Japão voltou-se com empenho para as relações exteriores. O impacto desses acontecimentos aumentou a pressão das correntes sociais e políticas que estavam minando a base estrutural feudal fazendo desmoronar, em 1868, o então vigente xogunato Tokugawa, sendo restabelecida a plena soberania do imperador na Restauração Meiji. A era Meiji (1868-1912) representa um dos períodos mais notáveis da história das nações. Sob o reinado do imperador Meiji (Mutsuhito), o Japão realizou em apenas algumas décadas o que levou séculos para se desenvolver no Ocidente - a criação de uma nação moderna com indústrias modernas, instituições políticas modernas e um novo e moderno modelo de sociedade.

Nas várias reformas educacionais ocorridas no Japão, desde então, ora o soroban era considerado como matéria obrigatória dentro da grade curricular, sobretudo no ensino primário da época, ora era considerado como matéria optativa. E considerando também a sujeição de sua cultura às culturas estrangeiras, ao mesmo tempo em que o soroban ia sendo relegado, o cálculo por meio de lápis e papel ganhava mais evidência. Após a Segunda Guerra Mundial, sob o impacto da influência norte-americana, as calculadoras eletrônicas ganharam larga ênfase, insistindo-se nas suas vantagens, enquanto o ábaco recebia críticas negativas. Desde 1931, o Japão já vinha promovendo campeonatos que visavam mostrar a importância do soroban para o desenvolvimento mental. Porém, o campeonato decisivo, considerado de vida ou morte para o reconhecimento do soroban, foi realizado no dia 12 de novembro de 1946. Esse confronto, patrocinado pelo Stars and Stripes, jornal do Exército dos E.U.A., aconteceu no teatro Ernie Pyle de Tokyo (atualmente Teatro Takarazuka de Tóquio – Tōkyō Takarazuka Gekijō). A máquina de calcular teve como operador o recruta norte-americano Thomas Nathan Wood, da 240ª Seção de Reembolso Financeiro do quartel-general do General MacArthur, eleito em concurso como o mais ágil operador de calculadora elétrica no Japão, e o soroban o senhor Kiyoshi Matsuzaki, operador campeão do Gabinete de Poupança do Ministério da Administração Postal. Nesse campeonato, o soroban saiu vitorioso (4 x 1) e os americanos, estarrecidos, reformularam seu conceito sobre este instrumento, embora sem grande divulgação. No entanto sabe-se que nos Estados Unidos tem boa aceitação o uso do ábaco Cranmer por pessoas cegas ou com visão subnormal, semelhante ao nosso sorobã adaptado. (portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/)

  • No Brasil também, em vários momentos a validade do Shuzan foi questionada, fazendo-se necessária uma contraprova. Mas a demonstração mais relevante, talvez, tenha acontecido em 1968, quando a Associação Cultural de Shuzan conclamou o público para um desafio: Soroban x Qualquer tipo de calculadora. Apresentaram-se hábeis operadores, com as máquinas mais modernas existentes na época e, como esperado, os sorobanistas fizeram uma ótima apresentação, e tem sido assim até os dias de hoje, provando que o soroban jamais será ultrapassado e será obsoleto, pois não depende de pilha, de bateria, de chips, mas somente o uso da mente e sua capacidade total de uso ainda está longe de ser desvendada.

O soroban e as máquinas calculadoras não são coisas que devam ser comparadas. Cada qual exerce a sua função junto ao homem na sociedade moderna, cada qual no seu devido lugar exercendo a sua função específica. O Soroban oferece envolvimento pedagógico ao educando e ajuda a solucionar pequenos cálculos na vida cotidiana, quando a operação for grandiosa, estimando o seu resultado; mas prioritariamente ativando a sua mente. Já, as máquinas são necessárias para os adultos, para cálculos mais complexos e ou para o cérebro “descansar” devendo gastar a energia mental para outras atividades que lhe sejam mais prementes, assim como os computadores são necessários para a solução de problemas mais vultosos. O reconhecimento do soroban na política educacional japonesa e, ainda, sua utilidade num contexto mundial mais amplo, foi fruto de uma luta incansável de seus disseminadores, a exemplo do professor Fukutaro Kato, que jamais se fez esmorecer.

  • Takashi Kojima (The Japanese Abacus, Tokyo, Tuttle, 1954) menciona a existência de um dedilhado em que se empregava somente o indicador, e Yukio Tani (The Magic Calculator: The Way of Abacus, Tokyo, Japan Publications Trading Co., 1964) acrescenta que esse método era recomendado para principiantes em livros do fim do século XIX. Segundo Tani, as razões alegadas para não usar o polegar eram que este dedo seria menos sensível que o indicador, e que fazer trabalhar o "pai" (oya yubi, dedo “pai” = polegar ) era de um simbolismo desagradável, conforme uma superstição japonesa.
  • O mais antigo soroban ainda hoje existente data de 1592. Teria pertencido a um soldado, identificado por alguns como o general Toshiie Maeda (前田利家, Maeda Toshiie) (15.1.1539 - 27.4.1599), posteriormente senhor feudal (daimyō) de Kaga (1583 - 1599), a serviço do senhor feudal e segundo unificador do Japão Hideyoshi Toyotomi (2.2.1536 - 18.9.1598), no porto de Hakata, local que este escolhera para uma invasão à Coréia. Trata-se de um instrumento de bolso (7 x 13 cm) com a traseira fechada por placa, de 9 hastes de cobre, cada uma trazendo 7 contas de osso com aresta (bicônicas), 2 quinárias e 5 unitárias.
  • A mais antiga menção ao soroban em língua ocidental (latim) parece ser a que consta no Calepino japonês, o Dictionarivm Latino Lvsitanicvm, ac Iaponicvm (Dicionário Latino-Português e Japonês; Ra-Po(ou -Ho)-Nichi Taiyaku Jiten, 羅葡日対訳辞典), preparado na imprensa da missão jesuítica (in Collegio Iaponico Societatis IESU) em Amacusa (Amakusa, 天草), Japão, 1595. O nome completo da obra (em grafia normalizada) é Dictionarium Latino-Lusitanicum ac Iaponicum ex Ambrosii Calepini volumine depromptum, in quo, omissis nominibus propriis tam locorum quam hominum ac quibusdam aliis minus usitatis, omnes vocabulorum significationes elegantioresque dicendi modi apponuntur; in usum et gratiam Iaponicae iuventutis quae Latino idiomati operam navat nec non Europeorum qui Iaponicum sermonem addiscunt (Dicionário Latino-Português e Japonês, compilado do volume de Ambrogio Calepino, em que, omitidos os nomes próprios, tanto de lugares como de pessoas, bem como outros menos usados, apõem-se todos os significados e os torneios mais elegantes dos vocábulos, para uso e benefício da juventude japonesa que se esforça no idioma latino, e bem assim dos europeus que aprendem a língua japonesa).
  • Segundo D. S. Smith e Y. Mikami (A History of Japanese Mathematics, Chicago, The Open Court Publishing, 1914, p.32), a história de que Mōri trouxe o soroban da China - ou da Coréia, como pretende Alfred Westphal (Beitrag zur Geschichte der Mathematik in Japan, in Mittheilungen der deutschen Gesellschaft für Natur- und Völkerkunde Ost-asiens, Tōkyō, IX. Heft, 1876) - aparece pela primeira vez no livro Sanpō Tamatebako (1879) de Riken Fukuda, que recebeu essa informação de seu amigo C. Kawakita, o qual por sua vez a obteve de Gokan Uchida, que alega ter lido esse relato em certa ocasião num antigo manuscrito na Biblioteca de Yushima em Edo (Tōkyō); infelizmente, com a dissolução do xogunato (1868) os livros dessa biblioteca dispersaram-se e o manuscrito parece ter-se irremediavelmente perdido. Conta essa história que Mōri, na mocidade a serviço do Senhor Terumasa Ikeda e posteriormente de Hideyoshi Toyotomi, foi por este mandado à China para que lá adquirisse o conhecimento matemático de que o Japão naquele tempo carecia. Contudo, por ser de origem humilde, Mōri viu os seus pedidos em nome de seu amo tratados com tal desdém que retornou ao Japão com escassos resultados. Ao ouvir o relato dos trabalhos e humilhações de Mōri, Toyotomi concedeu-lhe o título de Senhor de Dewa. Mōri de novo rumou para a China, mas apenas pôs os pés em solo chinês quando Toyotomi encetou a sua invasão da Coréia. A China envolveu-se de imediato na defesa do que era praticamente um estado vassalo seu, e, com o progresso da guerra, tornava-se cada vez mais perigoso para um japonês residir em seu território. Mōri não foi recebido com o favor que esperara e teve de retornar ao seu país natal. Permanecendo embora algum tempo no exterior, não conseguiu porém levar a cabo sua missão. Ainda assim, Mōri trouxe considerável conhecimento da matemática chinesa e também o suan pan, que foi aperfeiçoado até tornar-se o atual soroban. Se verdadeira a história, Mōri deve ter passado alguns anos na China, pois Toyotomi começou a sua invasão em 1592 e morreu em 1598, estando já falecido quando Mōri regressou. Este dirigiu-se ao Castelo de Osaka, construído por Toyotomi, e lá, acolhido pelo filho e sucessor do guerreiro, viveu até que a cidade fosse sitiada em 1615 e o castelo tomado por Ieyasu Tokugawa. Hikoshirō Araki informa que após isso Mōri ensinou soroban em Kyōto, onde se intitulava “o primeiro instrutor de divisão no mundo”. Como autores coetâneos de Mōri, ou posteriores a ele, não mencionam a sua viagem à China e como Uchida não revelou sua descoberta senão após o desaparecimento do manuscrito (que ninguém tem condições de avaliar quanto a idade, tipo e confiabilidade), autores recentes, como Hidetoshi Fukagawa e Tony Rothman (Sacred Mathematics, Princeton, Princeton University Press, 2008, p.15), têm essa história por fictícia. Porém, tenha ou não viajado à China, Mōri, que possuía o célebre Tratado Sistemático de Aritmética (Suànfă tŏngzóng, 1593) de Chéng Dàwèi, foi um perito no soroban e em seu tempo fez mais do que qualquer outra pessoa no Japão para popularizar os cálculos nele, tendo escrito a cartilha Warizansho (割算書, Divisão [por meio do Soroban], 1622).
  • O antigo método de divisão era idêntico ao chinês e usava uma tabuada especial de divisão, conhecida no Japão sob os nomes de ku ki hō (九歸法), hassan (八算), warigoe (わり声) e warikuku (わり九九), e empregada maciçamente até as décadas de 1930/1940.
  • O soroban 1+5 (itsutsudama soroban) ainda é fabricado no Japão e vendido sobretudo a pessoas idosas que aprenderam soroban antes da Segunda Guerra Mundial, segundo informações recentes (2007) de um conhecido fabricante japonês (Tomoe).
  • O soroban 1+5 pode ter surgido em data relativamente antiga e o formato arredondado das contas persistiu até época bem tardia lado a lado com o formato bicônico. A Universidade de Ciências de Tóquio conserva um exemplar 1+5 que se diz datar do início do Período Edo (1603-1868), proveniente de Ōtsu, Banshū, com tampa traseira deslizante, 10 hastes e contas redondas como as de um suan pan tradicional, acabamento de laca preta (kuro-urushi) com maki-e (pó de ouro polvilhado). Outro exemplar 1+5, oriundo de Hiroshima, também com contas redondas, tem 25 hastes e é datado do fim do Período Edo. Outro exemplar 1+5, de 25 hastes e contas bicônicas, é datado de 1791.
  • O dia 8 de agosto é chamado no Japão “pachi pachi no hi” e, sempre que possível, é a data escolhida para torneios de soroban. Esse nome provém do ruído que produzem as contas de um soroban em operação, bem como alude ao número “oito” em japonês (hachi).
  • Antes do surgimento do soroban e até o começo da Era Meiji (1868-1912), empregavam-se blocos de cálculo (“sangi”, 算木 ou “sanchu”, 算籌), um conjunto de prismas quadrados de bambu ou madeira de 5 cm de comprimento por 7 mm de espessura, parte dos quais era vermelha (para representar números positivos) e parte era preta (para números negativos). Originários de varetas roliças de bambu, os sangi eram o instrumento preferido dos matemáticos, que os usavam sobre tabuleiros quadriculados para resolver problemas algébricos (por exemplo, equações quadráticas, cúbicas ou mesmo simultâneas). Por sua vez, as varetas de bambu (“chikusaku” ou “zeichiku”) foram trazidas ao Japão entre o século VII e o VIII, vindas da China, onde, sob o nome de “chóu”, “t’sê” ou “chanchu”, e confeccionadas com bambu, marfim, osso ou metais, seriam conhecidas desde o século V a.C. (segundo Lĭ Yăn e Dù Shírán, Chinese Mathematics - a Concise History, Oxford, Clarendon Press, 1987, p.7) ou desde antes de 1000 a.C. (segundo Takashi Kojima, Advanced Abacus, Tokyo, Tuttle, 1963, p.15). Um conjunto era formado por um feixe de 271 varetas de 6 polegadas (chinesas) de comprimento por 0,1 polegada de espessura. Os exemplares mais antigos foram escavados em sítios datados da dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.). Na China, com a difusão dos métodos de operação no suan pan, divulgados no Tratado Sistemático de Aritmética (Suànfă tŏngzóng) de Chéng Dàwèi, o uso das varetas, e até mesmo o conhecimento da sua existência, desapareceu após o fim do século XVI, sendo consideradas instrumento de cálculo antigo por Méi Wéndǐng (1633-1721). No Japão, os sangi, substituídos pelo soroban no uso quotidiano ao longo do século XVII, foram caindo em desuso nos meios matemáticos ao se descobrirem os métodos de extração de raiz quadrada e cúbica no soroban; o golpe de misericórdia adveio com a introdução da matemática ocidental (yōsan) concomitantemente com a proibição do ensino da matemática tradicional japonesa (wasan) no Código Fundamental de Educação (Gakurei) de 1872.
  • Historicamente o soroban é o último vestígio da matemática tradicional japonesa, o wasan (和算, literalmente, cálculo à japonesa). No Japão do Período Edo, na ausência de um sistema público de educação, as pessoas do povo enviavam os filhos aos terakoya (寺子屋, escolas particulares para o povo comum mantidas por templos budistas) para que aprendessem yomi-kaki-soroban (“leitura, escrita e aritmética”). Em paralelo, o wasan ensinava-se em academias particulares em nível mais elevado que o dos terakoya. Se na era Meiji a passagem da matemática tradicional japonesa à matemática ocidental se deu com relativa facilidade, isto se deve a que tanto os matemáticos tradicionais como os professores dos terakoya dispunham de preparo cultural para apreender o conteúdo dessa última.
  • Ainda que o ábaco seja tido como o elo inicial de uma cadeia que instrumentos que, conduzindo ao atual computador, inclui por exemplo o aparelho de Schickard e a máquina de calcular de Pascal (la Pascaline) de 1642, esta última nada tem que ver com o soroban, sendo talvez mais parecida com um computômetro de Cordingley de 1890 ou com a “lightning calculator” (calculadora relâmpago) de 1908; aliás, o único ábaco que Pascal e seu pai conheceriam (mas provavelmente não usavam) era o ábaco de contas soltas (“jetons” ou contos de contar), em declínio nessa época.
  • “Soroban-mancia” (ou abacomancia): A. Westphal, observando que não faltavam meios aos japoneses para tentar prever o futuro, tais como a consulta a carapaças de tartaruga, varetas de bambu, ossos de espádua (escápulas) de cervos etc., refere um método de adivinhação de meados do século XIX que empregava o soroban e conta a seguinte história, que ouviu de um mestre da arte:

Um camponês que teve o cavalo roubado foi a um adivinho para saber onde estaria o seu animal. Valendo-se do soroban, informou-lhe o adivinho que o cavalo se encontrava debaixo de esteiras. O camponês, pensando nas esteiras que recobriam o assoalho das casas japonesas, achou o oráculo inacreditável. O próprio adivinho, algo hesitante, tornou a consultar o soroban, mas recebeu a mesma resposta. O camponês foi-se incrédulo. Mal saiu da casa quando se lhe deparou o cavalo a transportar uma carga de esteiras. Ele reclamou sua propriedade ao condutor do animal, abalou-se felicíssimo ao adivinho e recompensou-o generosamente.

O Dr J.-J. Matignon, por sua vez, descreve no seu livro La Chine Hermétique (Paris, Paul Geuthner, 1936) um método para adivinhar o sexo de uma criança nascitura por meio de um ábaco chinês. O que hoje pode parecer superstição constituía um dos atributos de um matemático em séculos passados. Na China antiga, segundo o Prof. Nathan Sivin, a matemática incluía também o que hoje chamaríamos numerologia, do mesmo modo que astronomia e astrologia estiveram abraçadas longo tempo no Ocidente, conforme se pode apurar em seu artigo “Science and Medicine in Chinese History” (Ciência e Medicina na História Chinesa): “Havia um lado teórico e especulativo na matemática chinesa que em geral tem sido ignorado por historiadores modernos, com algum prejuízo para nossa compreensão do que significava esta arte para seus praticantes. Os sentidos de ambas as palavras empregadas para designar “matemática” antes dos tempos modernos, shu e suan, incluem “numerologia”. Referem-se igualmente a uma variedade de técnicas divinatórias que identificam regularidades – não necessariamente quantitativas – subjacentes ao fluxo dos fenômenos naturais. O prognóstico do futuro e a adivinhação do oculto, especialmente nos primeiros séculos da matemática, eram amiúde considerados parte dos poderes de mestres calculadores. Há um paralelo óbvio com a complementaridade da astronomia matemática e da astrologia, que vemos não só na China, na Índia e no mundo islâmico, como também no Ocidente até os tempos de Kepler. A forma da relação variou decerto segundo o caráter intelectual e social das duas atividades em cada cultura.” (apud Heritage of China, ed. Paul S. Ropp, Berkeley – Los Angeles – Oxford, University of California Press, 1990, p.173; cap.7, pp. 164-196)

  • Jinkōki - o manual que foi best-seller por mais de duzentos anos: em 1627 foi publicado o Jinkōki (塵劫記, Anotações sobre Números Gigantescos e Números Infinitesimais), de Mitsuyoshi Yoshida (吉田 光由, Yoshida Mitsuyoshi; 1598 - 1672), também conhecido como Yoshida Kōyō, discípulo de Shigeyoshi Mōri, livro que se tornou o manual de matemática mais popular do período Edo. No prefácio, o sacerdote budista Genko (também conhecido como Shungaku) explica que o título Jinkōki provém de uma frase num texto budista e significa “aquelas coisas que passaram há muito tempo não diferem do que são agora”. Sem ser uma abordagem sistemática da aritmética chinesa do seu tempo, continha inúmeros problemas práticos apresentados sob roupagem de historinhas ilustradas que de imediato cativaram o povo. A popularidade do Jinkōki originou muitas edições piratas, contra as quais o autor tentou proteger-se mediante uma série de edições revisadas (conhecem-se as de 1629, 1631, 1634, 1641) com impressão a duas cores, ilustrações coloridas e, na última, com um apêndice de problemas sem a chave de soluções para desafiar leitores e imitadores (trata-se dos idai, i.e., problemas por resolver, que desde então se tornaram moda em manuais de aritmética similares). Refletindo a realidade de um país recém-saído de um período de guerras civis longo e devastador para as ciências, artes e ofícios, o livro se abre com nomes de números, instruções sobre como dividir com o soroban, seguido de problemas de cálculo de pesos, volumes e valores de arroz, e equivalências de moedas regionais, conhecimentos de necessidade premente à época. O Jinkōki resolve os problemas com o soroban, porém não detalha como manejar um, já que pressupõe o ensino oral em paralelo de um professor (ou o conhecimento prévio da adição, subtração e multiplicação no ábaco japonês). Exemplo de número enorme que aparece no livro: 664.613.997.892.457.936.451.903.530.140.172.288. O número de livros que trazem o nome “Jinkōki” como título ou parte dele, publicados entre 1627 e 1913, sendo ou não o autor Yoshida, monta a 301.
  • Ao tempo da segunda abertura do Japão ao Ocidente, um dos raros estrangeiros que olharam o soroban com admiração foi o escocês Cargill Gilston Knott (Penicuik, 30-6-1856 – Edinburgh, 26-10-1922), Doutor em Ciência e membro da Real Sociedade de Edinburgh (a academia de ciências e letras da Escócia). Em comunicação lida em 16 de dezembro de 1885 na Sociedade Asiática do Japão (Asiatic Society of Japan), publicada ao depois nas Transactions da entidade sob o título de “The Abacus in its Historic and Scientific Aspects” (vol. 14, pp. 18-69, Yokohama, R. Meiklejohn Co., 1886), não poupa elogios ao soroban, cujos métodos de operação acha particularmente científicos. Knott descreve os sistemas numéricos de vários povos, o soroban, o modo de nele efetuar as quatro operações mais a extração de raiz quadrada e raiz cúbica.
  • Sobre a origem do suan pan (soroban chinês), Yoemon Yamazaki ("The Origin of the Chinese Abacus", in Memoirs of the Research Department of the Toyo Bunko, Tokyo, 1959, vol. 18, pp. 91-140) explica haver várias teorias, cada uma com seus defensores: 1. origem autóctone na dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.); 2. origem autóctone na dinastia Song (960 – 1270); 3. origem autóctone na dinastia Yuan (1271 – 1368); 4. origem autóctone na dinastia Ming (1368 – 1644); 5. origem estrangeira, especificamente a introdução do ábaco romano portátil na China via Rota da Seda na dinastia Han.

Soroban para deficientes visuais

O primeiro brasileiro a se preocupar com as ferramentas de que os cegos dispunham para efetuar cálculos em nosso país foi o professor Joaquim Lima de Moraes. Uma miopia progressiva fez com que ele interrompesse seu curso ginasial e após 25 anos, em 1947, matriculou-se na Associação Pró-Biblioteca e Alfabetização para aprender o Sistema Braille. Por ser a matemática uma de suas matérias prediletas, após aprender o Sistema Braille, voltou sua atenção para o modo de calcular dos cegos. Na época, existiam disponíveis o cubaritmo, a chapa e a prancheta Taylor. As dificuldades, observadas por Moraes, para os cegos operarem esses instrumentos foram impulsionadoras de sua busca por um aparelho que tornasse essa atividade mais ágil e prazerosa. Em suas pesquisas por um aparelho de custo acessível e que trouxesse facilidades e mais rapidez para a realização de cálculos por pessoas cegas, Moraes soube da existência do soroban ou ábaco japonês, ainda no modelo de cinco contas na base. Em seus primeiros contatos com esse contador mecânico, ele percebeu a leveza e mobilidade das contas nos eixos, constatando que seria difícil para uma pessoa cega manipular as contas que deslizariam a um simples toque dos dedos. Este primeiro obstáculo foi um incentivo para o aprofundamento de seus estudos. Partiu do próprio cubarítmo para estudar as 4 operações no soroban dos videntes, sondando formas de adaptá-lo e simplificá-lo para uso de pessoas cegas. E o ano de 1949 foi decisivo para as adaptações do soroban para pessoas cegas e de baixa visão. Em janeiro daquele ano, juntamente com seu aluno e amigo José Valesin, procedeu a modificação, que consistiu na introdução da borracha compressora, solucionando a dificuldade dos cegos em manipular esse aparelho. A inserção da borracha permitiu finalmente que os cegos pudessem empurrar as contas com mais segurança e autonomia para representar os valores numéricos conforme as operações a serem efetuadas. Criava-se, assim, o Soroban Moraes, ou sorobã, termo abrasileirado do soroban. Com o intuito de divulgar o uso e ensino do Soroban para pessoas cegas e registrar alternativas didáticas e metodológicas de seu uso, Moraes publicou em Braille a primeira edição do seu Manual de Soroban, com o apoio da Fundação para o Livro do Cego no Brasil (hoje Fundação Dorina Nowill para Cegos). Moraes não restringiu seus conhecimentos apenas dentro do nosso país, ele repartiu essas informações com diversos países não só da América Latina, mas dos Estados Unidos, Canadá e países da Europa. Movido por um espírito inquietante e instigador de todos os cientistas, revolucionou o ensino da matemática para pessoas com deficiência visual em muitos países por meio de uma adaptação bastante original, de caráter insuperável (portal. mec. gov.br/seesp/arquivos/). Cumpre também mencionar a existência do ábaco Cranmer inventado por volta de 1962 nos EUA, para deficientes visuais, sendo o próprio inventor, Terence (Tim) V. Cranmer (3.2.1925 - 15.11.2001), deficiente visual. Com o sorobã, o deficiente visual penetra firme no mundo infinitesimal da matemática. Dominando-a, conquista as posições profissionais que mais exigem o conhecimento dessa ciência.


Soroban para cegos dos EUA e Soroban para cegos do Japão
Soroban para cegos dos EUA e Soroban para cegos do Japão
Prof. Joaquim Lima de Moraes manuseando sorobã
Prof. Joaquim Lima de Moraes manuseando sorobã



Perfil - Fukutaro Kato

Prof. Fukutaro Kato
Prof. Fukutaro Kato


Fukutaro Kato nasceu no dia 21 de dezembro em Tóquio, Japão e formou-se Bacharel na área de Ciências Contábeis da Universidade de Tókio, distinguiu-se desde cedo nos estudos do soroban. Com apenas 17 anos ministrou aulas na Escola Teisei Kooto, na capital japonesa, na qual mais tarde tornou-se catedrático e se dedicou a ministrar aulas de Ciências Contábeis e Soroban até a sua decisão de vir para o Brasil em 1956, com 23 anos de idade. Possuidor de experiência na educação de Shuzan, arte de manejar o soroban, tão logo chegou, começou a orientar o estudo do soroban nas cooperativas agrícolas de raízes nipônicas. E em seguida estabeleceu a primeira sala de aula para o ensino do ábaco no Brasil, no bairro da Liberdade, então reduto dos japoneses, denominado Curso São Paulo de Soroban. Em 1958, para incentivar seus alunos e admiradores promoveu juntamente com a comemoração do 50º aniversário da Imigração Japonesa o 1º Concurso de Soroban, que vem se repetindo até os tempos atuais.


1º Concurso de Soroban no Brasil – 1958 (Homenagem aos 50 anos da Imigração Japonesa, realizado no auditório do Jornal Paulista)
1º Concurso de Soroban no Brasil – 1958 (Homenagem aos 50 anos da Imigração Japonesa, realizado no auditório do Jornal Paulista)


Com o sucesso da primeira empreitada fez se necessário a criação de uma associação, formado pelos alunos e, orientado por ele, nascia a Associação Cultural de Shuzan do Brasil, que já em 1960 participou ativamente para a realização do 2º Campeonato de Soroban. Com seu objetivo alcançado ganha em 1966 a sua independência, tornando-se um órgão oficial pronto para divulgar amplamente o Shuzan. Em 1961, professor Kato contraiu matrimônio com a nissei e professora, Thereza Toshiko, que formando um entusiasta casal com desejos abundantes de ensinar, acrescido de uma orientação precisa, foi consolidando ano a ano o ensino do soroban, atingindo largamente até os agrupamentos de japoneses do interior. Em sua campanha de difusão, o professor incentivou a realização de vários campeonatos. Vários eventos com intercâmbio de campeões japoneses e brasileiros. Recrutou professores do Japão para engrossar o quadro docente do Brasil. Realizou divulgação nos vários meios de comunicação. Participou de projetos junto ao Ministério da Educação e à Secretaria de Educação de São Paulo. E ainda foi prestigiado pela Fundação Bradesco, do Banco Brasileiro de Descontos, que contrata vários professores com o intuito de transmitir aos alunos de diversas localidades do Brasil o aprendizado sobre o soroban, assim como aos funcionários do Banco América do Sul, as já citadas cooperativas e diversos pequenos núcleos particulares. Com isso o professor Kato iniciou a realização de cursos de orientação para professores de matemática nas escolas estaduais, municipais e da Fundação Bradesco. Hoje, muitos educadores que buscam alternativas para tornar não só as aulas de matemática mais atraentes, mas também procuram recursos pedagógicos para o desenvolvimento mental de seus alunos e reconhecem esses valores no soroban têm inserido o Shuzan como matéria em suas escolas. Ocupou o cargo de diretor-executivo da ACSB, desde a sua criação, função este decisivo para a propagação do soroban. Principal divulgador do soroban no Brasil, disseminador das técnicas e das estratégias para seu uso. Reconhecidamente, um árduo defensor da preservação do soroban no âmbito educacional, como uma ferramenta capaz de contribuir para o desenvolvimento das estruturas mentais. Escreveu o livro “Soroban pelo Método Moderno”, no qual ensina o manuseio do soroban em português, para o público em geral, de uma maneira clara e objetiva, já na 4ª edição. Lançou apostilas, desde operações mais simples às mais elaboradas que foram largamente utilizadas nos cursos ministradas por ele. Ensinou também, por um tempo limitado o soroban por correspondência. Prof. Kato colaborou, em parte, na solução de cálculo dos deficientes visuais, oferecendo assessoria ao professor Joaquim de Moraes, um professor com deficiência visual que idealizou o soroban denominado Sorobã Moraes e que editou o manual em Braille. O sonho do Prof. Fukutaro Kato era ver implantado o ensino do soroban em todas as escolas públicas, por esse motivo nunca se negou a fazer demonstrações aos governadores, prefeitos, secretários de educação dos estados e municípios que ficavam surpresos e admirados sempre que se viam frente a um evento desses. Alguns encaminhavam algum projeto para a Secretaria da Educação e aí começava a morosidade da burocracia e o Shuzan não ganhava acesso a seu espaço. Em junho de 1983, após regressar de um Encontro de Professores de Soroban de várias localidades do mundo, no Japão, juntamente com o Professor Jair de Moraes Neves, então secretário da Educação do Município de São Paulo, foi autorizada pelo mesmo a introdução do ensino do soroban nas escolas municipais, em caráter experimental, e que na sua gestão permitiria a sua implantação em 24 escolas da rede. Foi um ano de intenso trabalho, muitas tarefas a realizar, com várias atividades em andamento e outros a iniciar. Apesar de emocionalmente prazeroso foi fisicamente desgastante. E em 28 de outubro desse ano foi acometido por um AVC que o deixou impossibilitado de continuar nas suas funções. Nunca se deixou abater, sempre otimista dedicou-se inteiramente a sua recuperação através da fisioterapia. Em relação a sua vida particular, teve uma vida exemplar, sem vícios, trilhando fielmente o caminho da fé, servindo pessoas e amando a Deus, como cristão prestando serviços a igreja como membro da Igreja Metodista Livre do Brasil. Apesar de sua suposta recuperação e gradativa melhora, resolveu descansar, numa bela manhã de Quinta-Feira Santa, 31 de março de 1988, deixando dois filhos, Joel, que veio a ocupar o seu lugar assim que adoecera e James, o caçula. “Nós só morremos quando somos simplesmente esquecidos”, escreveu o filósofo Sócrates, portanto por muito tempo, enquanto a palavra Soroban nos for sinônimo de professor Kato, enquanto um discípulo seu, ao fazer uma operação mental rotineira, lembrar com carinho que deve essa ação à ele, ele jamais morrerá...


Prof. Fukutaro Kato entre funcionários do Banco Bradesco com certificado de conclusão de um curso básico de Soroban – Osasco - SP)
Prof. Fukutaro Kato entre funcionários do Banco Bradesco com certificado de conclusão de um curso básico de Soroban – Osasco - SP)
22º Campeonato Brasileiro de Soroban (1980), com grande número de crianças do Ensino Fundamental, incluindo alunos da Fundação Bradesco, graças ao reconhecimento da importância do ensino do soroban às crianças pelo presidente do Banco Bradesco, Sr. Amador Aguiar)
22º Campeonato Brasileiro de Soroban (1980), com grande número de crianças do Ensino Fundamental, incluindo alunos da Fundação Bradesco, graças ao reconhecimento da importância do ensino do soroban às crianças pelo presidente do Banco Bradesco, Sr. Amador Aguiar)
30º Campeonato Brasileiro de Soroban – Homenagem ao 80º Aniversário da Imigração Japonesa, no Colégio Armando Álvares Penteado)
30º Campeonato Brasileiro de Soroban – Homenagem ao 80º Aniversário da Imigração Japonesa, no Colégio Armando Álvares Penteado)

Perfil – Joel Takayoshi Kato

Prof. Joel Takayoshi Kato
Prof. Joel Takayoshi Kato


Kato, ou professor Joel, como era conhecido, nasceu em 26 de março de 1962, em São Paulo, capital. Filho primogênito do professor Fukutaro Kato, pioneiro na implantação do Shuzan no Brasil. “Shuzan” que é a arte de manejar o soroban e, também o seu principal divulgador, e de Thereza Toshiko Kato, professora da rede pública de ensino. Teve um único irmão, James Kato. Oficialmente passou a se dedicar aos estudos do soroban aos nove anos de idade; indo do bairro do Jabaquara, na zona sul, tomando o ônibus sozinho até o bairro da Liberdade, reduto oriental da cidade situado na parte central de São Paulo, onde funcionava o “Curso São Paulo de Soroban”, escola fundada por seu pai. Aos quatorze anos, já com o intuito de inteirar-se dos negócios do pai começou a trabalhar como office-boy, desprendido de qualquer privilégio por ser o filho do dono do estabelecimento. Pouco tempo depois já desempenhava funções administrativas e foi tomando consciência da importância do soroban para a formação do indivíduo e consequentemente de uma sociedade mais sadia Sua formação básica foi completada em escolas públicas, depois da Escola Técnica Armando Álvares Penteado cursou Administração de Empresas na Faculdade Mackenzie. Praticou natação e judô. Mas gostava mesmo era de dirigir um bom carro e se considerava um bom condutor. Fez curso de aviação, chegando a pilotar aeronaves sob a orientação de seu professor. Fez também um curso de navegação e o seu espírito de aventura o levava ao alto-mar em barcos motorizados, atrás de cardumes de peixes para saciar sua outra paixão, a pesca. Tudo na sua vida era feito em grande velocidade. Tanto na terra, no ar, no mar. Como se rejeitasse a idéia de não experimentar de tudo que a vida tinha para oferecer e admitisse que a vida é muito curta para assimilar tantas coisas. Não ficava um segundo parado, sempre estava fazendo alguma coisa ou rodeado de pessoas. Com o falecimento do pai, em 1988, tomou sob seu comando a missão de dar seguimento ao seu trabalho. Empenhando-se, juntamente com seu amigo e professor, o campeão sorobanista Rubens Koreeda, a pelejar na mesma luta do professor Kato, a fim de difundir a prática do soroban entre os descendentes e não descendentes de japoneses e vê-lo implantado na rede pública de ensino. Tarefa, este, dedicada e alicerçada por seu pai durante 30 anos. Tinha que, como o pai, desbravar o campo, pois o caminho não se conquista, mas se abre. Decidiu dar ênfase a segunda etapa na divulgação do Soroban. O pai já havia conseguido sensibilizar relativamente a classe adulta e a sociedade da necessidade do ensino do Soroban principalmente na infância e adolescência. Percebeu que a etapa seguinte era implantar o ensino nas escolas fundamentais e incentivar sobremaneira os professores divulgadores de soroban a atuar nesta área, priorizando cursos para essa categoria. Determinou-se em atuar diretamente com crianças, a partir dos 3 anos de idade, adolescentes, estudantes em geral, corroborando com o objetivo do pai.


1998 –  Cena do 40º Campeonato Brasileiro de Soroban – Turma D, crianças de 3 a 8 anos de idade -  Salão da Editora Globo – Jaguaré – São Paulo
1998 – Cena do 40º Campeonato Brasileiro de Soroban – Turma D, crianças de 3 a 8 anos de idade - Salão da Editora Globo – Jaguaré – São Paulo


Como professor assumiu também as aulas particulares de soroban aos alunos japoneses radicados temporariamente no Brasil.


Prof. Joel ministrando aulas aos alunos japoneses radicados temporariamente no país.
Prof. Joel ministrando aulas aos alunos japoneses radicados temporariamente no país.


Realizou, em número incontável, palestras e demonstrações em escolas, eventos em Shopping, em cidades do interior do Estado de São Paulo e algumas vezes em outros Estados do Brasil. Conseguiu também se apresentar em jornais e programas de TVs, fatos que o ajudou muito na divulgação desta arte


1998 – Outubro – Demonstração de Soroban no Programa Jô Soares –  A direita do apresentador (com a calculadora na mão) o Profº. Joel e a sua esquerda a Profª. Thereza Kato
1998 – Outubro – Demonstração de Soroban no Programa Jô Soares – A direita do apresentador (com a calculadora na mão) o Profº. Joel e a sua esquerda a Profª. Thereza Kato


Orientou e incentivou os professores divulgadores de soroban, abrangendo milhares de crianças e adolescente fazendo com que eles deslumbrem um mundo um pouco melhor, conseguindo cada qual conhecer melhor a si próprio, fortalecer melhor as suas habilidades positivas e desenvolver as mais tímidas. Promoveu para isto, com ajuda de professores divulgadores e junto à Associação Cultural de Shuzan do Brasil, gincanas, acampamentos e trabalhos sociais ensinando soroban inclusive aos carentes.


2000 -  Cenas de um dos Cursos de Formação de Professores Divulgadores de Soroban
2000 - Cenas de um dos Cursos de Formação de Professores Divulgadores de Soroban


Era, acima de tudo, um ser bastante humano. Emotivo e sentimental, atraindo respeito e admiração dos pais dos alunos, característica muito importante para a obra que abraçou. Como professor fazia muito sucesso entre as crianças. Carismático e simpático vivia rodeado pelos alunos, que o tinha mais que um mestre, mas como um grande, em todos os sentidos, amigo, e como não, como um segundo pai. Nos finais de semana e feriados, fazia de sua residência a extensão de sua escola. Repleta de alunos adolescentes, sempre num clima festivo e saudável. Vivenciando na prática as habilidades trabalhadas em aula, conquistadas através da arte do Shuzan: dedicação, disciplina, respeito, solidariedade, união. Sempre, não só com a aprovação dos pais, mas eram freqüentes as suas participações também. Se os alunos gostavam desse convívio, ele se sentia cada vez mais realizado, cada vez mais próximo ao objetivo que o soroban precisa alcançar. Por em prática, a cada momento de vida, a potencialidade nata, vivenciando na qualidade de vida cada vez melhor. A qualidade de vida não é algo que se usufrui depois de adulto, mas sim, ao longo da vida. Deu seqüência aos Campeonatos anuais de Soroban, sempre com a colaboração dos professores divulgadores.


1998 – Cenas do 40º Campeonato Brasileiro de Soroban concorrentes à Taça Fukutaro Kato – Salão da Editora Globo – São Paulo - Capital
1998 – Cenas do 40º Campeonato Brasileiro de Soroban concorrentes à Taça Fukutaro Kato – Salão da Editora Globo – São Paulo - Capital


Dentre as diversas autoridades brasileiras, conquistou adeptos e admiradores não apenas nikkeys, mas também não-descendentes. Num dos eventos, pôde contar com a presença do professor Luiz Barco, que fez questão de proferir palavras de incentivo aos sorobanistas. Este conheceu o valor do soroban anos antes num congresso de Educação Matemática em Berkeley, Califórnia (EUA), conforme relatou na sua coluna "Dois mais Dois" da Revista Superinteressante (janeiro de 1990).


1992 - Prof. Luiz Barco –  Bacharelado/Licenciatura/Mestrado em Matemática, Doutorado em Ciências da Comunicação, entre outros títulos, abrilhantando o 34º Campeonato Brasileiro de Soroban
1992 - Prof. Luiz Barco – Bacharelado/Licenciatura/Mestrado em Matemática, Doutorado em Ciências da Comunicação, entre outros títulos, abrilhantando o 34º Campeonato Brasileiro de Soroban


Enviou também representantes brasileiros ao Campeonato Nacional de Soroban no Japão e Torneio Intercontinental de Abacus Research, por mais de uma ocasião. Dando continuidade à obra do professor Kato, lecionou Soroban aos alunos de escolas particulares.


1992 – dia 08 de agosto – Campeonato Nacional de Soroban no Japão - Cena da entrada triunfal dos sorobanistas brasileiros
1992 – dia 08 de agosto – Campeonato Nacional de Soroban no Japão - Cena da entrada triunfal dos sorobanistas brasileiros


Assim, viveu intensamente o professor Joel Takayoshi Kato com o soroban, pela perpetuação do mesmo, para o futuro melhor de seus alunos e um mundo melhor. Com o seu falecimento em 08 de abril de 2001, consumado está a segunda geração Kato, em prol da divulgação do Soroban.

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