Hoji
De Nikkeypedia
'Hoji' começa no funeral e a reunião é feita uma vez por semana por 7 semanas depois da morte, o que completa 49 dias de serviço religioso. Estes 49 dias têm um significado, porque este é o período durante o qual o falecido viaja pela terra dos recentemente falecidos, até que ele ou ela se encontra com Ennma, uma espécie de juiz que decide se o/a falecido/a deve ir para o céu ou para o inferno.
Então começa a reunião do primeiro ciclo, e depois vem a do terceiro ciclo (que tem lugar um ano depois do primeiro ciclo), seguida pelas do 5º, 7º, 13º, 25º e finalmente do 50º ciclos, no qual a maioria dos que tomaram parte nesta longa série de reuniões já se foi, e a tarefa de continuar as reuniões já está a cargo da geração seguinte.
Pessoalmente, eu acho que esta tradição de Hoji tem duas funções: ela provê a família do falecido com um processo de cura para as dores da perda (“o processo do pesar”, de acordo com Alfons Deeken, Professor de Filosofia na Universidade Jochi, em Tóquio) na fase imediatamente depois da perda do falecido. Este processo de “cura” pode ir do primeiro dia, até o primeiro ou terceiro ano.
Outro papel que Hoji' faz é dar a cada um dos membros destas reuniões a oportunidade de tomar um tempo separado das suas preocupações diárias e ter um momento para refletir sobre sua própria vida sob o ponto de vista da vida e da morte dos seres humanos, não em forma de um pensamento abstrato, mas através da vida daquela pessoa em particular, o/a falecido/a para quem o Hoji está sendo feito, e compartir a experiência da família enlutada neste contexto depois da perda do ente querido.
Gostaria de deter-me um pouco nesta primeira função: o processo de cura. De acordo com o Professor Deeken, que iniciou no Japão um singular grupo dedicado à educação sobre a morte, chamado “A reunião para pensar sobre a vida e a morte,” há 12 estágios ou reações pelas quais cada família que perde um de seus membros passa.[1] As doze fases que Deeken propõe não ocorrem necessariamente de 1 a 12, em ordem fixa, mas algumas são omitidas, algumas podem voltar, e outras podem aparecer misturadas, dependendo do caso e da pessoa enlutada. Elas são: 1) trauma psicológico e paralisia; 2) negação; 3) pânico, 4) raiva e indignação; 5) ressentimento e hostilidade; 6) auto-recriminação (a morte poderia ter sido evitada se eu tivesse feito... alguma coisa); 7) formação da imaginação e fantasia, 8) solidão e depressão; 9) confusão mental e apatia; 10) desistência ou aceitação; 11) o encontro de novas esperanças e possivelmente a recuperação do senso de humor e, finalmente, 12) a recuperação ou estebelecimento de uma nova auto-identidade.
Deeken propôs estas características para ajudar as pessoas a compreenderem o processo de recuperação psicológica da família em luto, para que as pessoas conhecidas possam fazer uma avaliação correta se é melhor deixar a pessoa em luto sozinha, ou se dar apoio, ou mesmo se buscar intervenção médica. Destas características o que eu acho relevante, tendo em vista o papel curativo que as reuniões de Hoji podem ter, são: 1) o momento do encontro e da compartição da dor e também de idéias com outras pessoas que participam da reunião, e 2) encorajar aos que perderam um ente querido a terem um diálogo com ele/a; o diálogo feito de uma forma positiva pode servir como uma fonte na qual a pessoa em luto pode encontrar novas esperanças e forças para viver.
As pessoas em luto, em certo ponto do seu processo de cura da dor da separação eterna do ente querido, necessitam uma oportunidade de sair do seu desespero. A reunião do Hoji pode dar a estas pessoas esta oportunidade, na qual elas se encontram com outras pessoas e podem compartir a dor de outras experiências com a perda, e saber que eles não estão passando por esta dor sozinhos, mas que têm outros ao seu lado. Este compartir de experiências com outros precisa de uma ocasião e lugar próprios para este propósito, e esta ocasião não pode ser obtida se as pessoas enlutadas simplesmente retornam à sua vida normal em casa ou no trabalho ou mesmo na comunidade a que eles pertencem. No Japão ainda é um tabu falar-se sobre a morte, e quando uma conversa volta para este assunto as pessoas rapidamentes colocam uma fachada neutra, ou dizem condolências em formas de clichês, e jamais ousaria entrar no recinto da dor íntima das pessoas.
Esta segunda função de Hoji é também uma visão reconhecida oficialmente sobre o assunto pela seita budista de Jodo-shinshu. De fato, a originalidade da idéia do Hoji em Jodo-shinshu foi designada não para a memória do morto, ou para seu benefício—para que ele/ela descanse em paz no céu--mas para congregar os membros do grupo para que eles pensem seriamente em suas próprias vidas. O budismo, ao contrário da visão geral desta religião no Japão, está sempre preocupado com os vivos: ele chama a nossa atenção para as questões importantes de como viver a nossa vida finita, o que a vida quer dizer para nós, ao invés de olhar para o passado ou seguir adiante com um funeral cuja função maior é dizer à sociedade que uma certa pessoa o deixou. Nós não temos que reunirmos uma vez, e de novo, até depois de várias décadas, somente para dizer à sociedade que alguém morreu. Obviamente, a figura principal em Hoje é cada um dos membros que se juntam para esta reunião.