Tradições estéticas do japão

De Nikkeypedia

Para conhecer as tradições estéticas do Japão é preciso conhecer pelo menos quatro de seus aspectos, sob o ponto de vista histórico: O primeiro, diz respeito as manifestações primitivas presentes tanto nos objetos de barro como nas danças e festivais folclóricos até hoje realizados, ligados aos rituais e crenças xintoístas. O segundo encontra-se em torno da aristocracia da corte (séculos VIII ao XII). É o colorido e a sensibilidade do Bugaku (música e dança da corte); o alegre colorido dos templos xintoístas; a arquitetura e escultura budista; a busca do luxo e do requinte; o despertar de um romantismo e uma sensibilidade feminina. O terceiro está na expressão simplificada e espiritual, no despojamento e no silêncio do Teatro Nô, da cerimônia do chá, dos jardins de pedras, da pintura monocromática, que trazem a influência da classe militar e do budismo zen (séculos XIII ao XVI). O quarto aspecto é a cultura criada pelas mãos do próprio povo (séculos XVI ao XIX), onde se desenvolve o Bunraku (teatro de bonecos), o teatro Kabuki, a xilogravura, a música do shamisen, a dança clássica Buyô. É o povo manifestando seu sentimento; a busca do prazer sensual e do divertimento. Qual desses aspectos representa melhor a beleza japonesa? O colorido, a graça e a sensibilidade da aristocracia Fujiwara ou o despojamento e a austeridade da cerimônia do chá? As artes do Japão, são como as estações do ano: apresentam aspectos e tendências diversas. No Japão, os ideais e instintos ancestrais não foram interrompidos com a chegada de novas influências. Ao longo do tempo, as novas aquisições foram se tornando japonesas. Essa forma de evolução contribuiu para sua diversidade, e para que a arte tradicional e os novos estilos se desenvolvessem simultaneamente, abrigando sensi-bilidades aparentemente opostas; ao mesmo tempo, garantiu a manutenção de uma unidade dentro dessa diversidade, através da continuidade de certos elementos e da sua ligação com a Natureza, com a religiosidade e com a vida. Podemos dizer que a arte japonesa alcança sua maturidade entre os séculos XIII e XVI, na interação da requintada e graciosa sensibilidade da aristocracia (já decadente politicamente) com o despretencioso e vigoroso espírito de simplicidade e virilidade de uma classe guerreira (os samurais). É uma época de intenso desenvolvimento artístico e cultural e de grande religiosidade, em que muitos dos princípios estéticos se desenvolveram. Ao mesmo tempo, foi um período de grande instabilidade política e de lutas constantes. O budismo é assimilado pelo cotidiano, com a introdução de uma nova fase (zen) que dava ênfase à disciplina, ao treinamento, ao auto-controle, indo de encontro com o espírito dos samurais. Os valores éticos, estéticos e espirituais se confundem e vão se arraigar profundamente, tanto na vida como na arte por toda posteridade. A prática das artes militares era vista como um treinamento espiritual, uma disciplina e uma proficiência. Era a chave da vida e da morte, onde frequentemente a verdadeira vida é ganha com a morte do corpo. Viver é pior do que a morte se a vida perder sua riqueza pessoal: a honra e a dignidade. A compostura do espírito com que se cultivava as artes marciais, naquela época, era a mesma que fazia o refinamento da arte: vida ou morte num golpe de espada ou de um pincel. Os japoneses deram uma importância fundamental ao processo da arte; o modo de fazer, que também é um modo de viver. Tudo pode ser transformado em arte, desde o mais simples ato de preparar e oferecer uma tigela de chá, ou colocar uma flor no vaso, até o ato de cometer um suicídio... E através do treinamento ou da obstinada repetição, canalizaram sua criatividade por caminhos próprios. Enquanto que na tradição ocidental a beleza física e plástica foram ressaltados, os japoneses desenvolveram uma arte vivencial, espiritual e ritualística, ressaltando a beleza interna.

“Beleza é o princípio vital de que está impregnada a Natureza” (Okakura Kakuzo). A lei da mutação que dirige a vida é também a lei que governa o belo. A beleza, como a vida, é, sobretudo, transformação e crescimento. A perfeição deixa de impressionar por causa da sua limitação de crescimento. Por isso, os japoneses preferiram a assimetria, o equilíbrio aberto, o uso de números ímpares em suas composições, formas incompletas para que a imaginação possa complementar a obra.

O segredo da verdadeira beleza está atrás do que se mostra. A lua é mais bela quando se esconde por detrás de uma nuvem ou uma árvore. A beleza se mostra com discrição, através da sugestão, com charme, distinção e retenção. Não se exprime tudo, mas se retém no interior, criando uma profundidade insondável. É o charme da harmonia latente e não explicitada. A beleza está na simplicidade, na simplicidade do fluxo natural da vida, sem artifícios, sem grandes contrastes, como se a mão do homem não tivesse tocado, mas é fruto de uma vontade criadora e de um esmerado trabalho. A beleza está na simplicidade do rústico e pobre, mas com o máximo de requinte; no despojamento e na redução ao essencial; na austeridade, no mínimo de detalhes, sutis e profundos. A beleza está no silêncio, no silêncio que não é ausência de ritmo mas uma intensa concentração de energia, como potencialidade; nos movimentos das coisas imóveis, na energia dos espaços vazios, no significado das coisas ausentes; na presença das coisas latentes que ainda não romperam mas que poderão surgir a qualquer momento. A arte japonesa desenvolveu uma densidade, um poder de concentração que atingiu um estágio em que com num único traço se cria uma paisagem, em que o carvão cria mais cores que as próprias cores, que o silêncio fala mais que os sons e um poema de dezessete sílabas pode expressar o mundo. Diz-se que Sen-no-Rikyu, o mais famoso esteta japonês, recebeu o senhor feudal Hideyoshi que viera apreciar as flores do seu jardim, que pela época, deveria estar totalmente florido. Sen-no-Rikyu cortou todas as flores do jardim e colocou apenas uma flor no Tokonoma (alcova). Quanto mais intenso o sentimento de falta mais bela se tornaria a singela e única flor. Ela representaria e concentraria a energia e a beleza de todas as flores ausentes. Katsuko Nakano

ceramista, professora doutora do Instituto

de Artes da Universidade Federal

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